domingo, 13 de maio de 2012




Pensamentos de Abraham Harold Maslow



"O que chamamos de “normal” em psicologia é na verdade a psicopatologia da média, tão pouco dramática e tão extensivamente comum que nós geralmente nem a percebemos.", começa assim Abraham Harold Maslow (A. H. Maslow), a chamar a nossa atenção na introdução ao seu livro: A Psicologia do Ser.



"Não acredito que a ciência mecanicista (que na psicologia corresponde ao behaviorismo) esteja incorreta, mas apenas que seja estreita e limitada demais para que sirva como uma filosofia geral ou abrangente." -- A. H. Maslow, Psychology of Science: A Reconnaissance.



"Se você planeja ser qualquer coisa menos do que aquilo que você é capaz, provavelmente você será infeliz todos os dias de sua vida." -- A. H. Maslow.



Biografia de Abraham Harold Maslow (1908-1970)



Maslow foi um pensador surpreendentemente original, pois a maioria dos psicólogos antes dele estava mais preocupada com a doença e com a anormalidade. Maslow não entendia as coisas desta forma, queria na verdade era saber o que constituía a saúde mental positiva. A psicologia humanista, corrente impulsionada por ele, deu origem a diversas diferentes formas de psicoterapia, todas guiadas pela ideia de que as pessoas possuem todos os recursos internos necessários ao crescimento e à cura e o objetivo da terapia é remover os obstáculos para que o indivíduo consiga isso.



A mais famosa dessas técnicas foi a terapia centrada na pessoa, desenvolvida por Carl Rogers. Maslow foi também um dos grandes impulsionadores do movimento transpessoal em psicologia.



Abraham Maslow nasceu no dia 1 de abril de 1908, no Brooklyn, NY. Foi o primeiro dos 7 filhos de seus pais, que eram judeus com pouca educação, imigrantes da Rússia. Seus pais, querendo o melhor para seus filhos, foram extremamente exigentes com Maslow em relação ao sucesso acadêmico. Sua infância parece ter sido muito infeliz, de acordo com seus próprios relatos: Fui um garoto tremendamente infeliz... Minha família era miserável e minha mãe era uma criatura horrível... Cresci dentro de bibliotecas e sem amigos... Com a infância que tive, é de se surpreender que eu não tenha me tornado um psicótico. (Maslow apud Hoffman, 1999, p. 1).



Para satisfazer seus pais, ele primeiro estudou Direito no City College of New York (CCNY). Após 3 semestres, ele se transferiu para o Cornell, e depois retornou ao CCNY. Casou-se com Bertha Goodman em 1928, sua prima em primeiro grau, contra a vontade de seus pais.



Abraham e Bertha tiveram duas filhas. O casal mudou-se para Wisconsin para que ele pudesse cursar a Universidade de Wisconsin. Lá, ele se interessou pela psicologia, e seu desempenho escolar melhorou dramaticamente.



Passava o tempo lá trabalhando com Harry Harlow, famoso por seus experimentos com bebês-macacos e comportamento de apego. Maslow terminou sua graduação em 1930, seu mestrado em 1931 e seu doutorado em 1934, todos em psicologia, todos na Universidade de Wisconsin. Um ano após a graduação, ele retornou a NY para trabalhar com E. L. Thorndike na Universidade de Columbia, onde Maslow passou a interessar-se pelo estudo da sexualidade humana.



Começou a lecionar em tempo integral no Brooklyn College. Durante esse período de sua vida, entrou em contato com muitos intelectuais europeus que estavam migrando para os Estados Unidos, e para o Brooklyn em particular – pessoas como Adler, Fromm, Horney, bem como vários psicólogos freudianos e da Gestalt.



Maslow coordenou o curso de psicologia em Brandeis de 1951 a 1969. Lá conheceu Kurt Goldstein, que concebeu originalmente a ideia de auto realização em seu famoso livro "O Organismo" (1934). Foi lá também que Maslow iniciou sua cruzada pela psicologia humanista – algo que se tornou muito mais importante para ele do que suas próprias teorias.



Maslow, junto com Anthony Sutich, foram os principais responsáveis pelo lançamento, nos Estados Unidos, da Revista de Psicologia Humanista em 1961, e pela fundação da Association for Humanistic Psychology, em 1962.



Já no fim de sua vida, Maslow incentiva Anthony Sutich a criar a Revista de Psicologia Transpessoal, em 1969. Maslow também incentivou, mas não chegou a ver a fundação da Associação de Psicologia Transpessoal (Association for Transpersonal Psychology), que só ocorreria em 1972.



Ele passou os anos finais de sua vida em semi-reclusão na Califórnia até 8 de junho de 1970, quando morreu de ataque cardíaco após anos de problemas de saúde.



A Pirâmide das Necessidades, uma das muitas coisas interessantes que Maslow trouxe para a psicologia quando pesquisava o comportamento de macacos, logo no início de sua carreira, é que algumas necessidades têm mais prioridade que outras. Por exemplo, se você sente fome e sede, a tendência é tentar resolver a sede primeiro. Afinal, você pode ficar sem comida por semanas, mas apenas sobreviverá por alguns dias se não beber água. Por isso, a sede é uma necessidade "mais forte" que a fome. Do mesmo modo, se você está com muita sede e alguém impede você de respirar, o que é mais importante? A necessidade de respirar, é claro. Por outro lado, sexo é a necessidade mais fraca de todas essas. Sejamos francos, você não vai morrer se ficar sem fazer sexo.



Maslow aproveitou essa ideia e criou sua famosa Hierarquia de Necessidades. Ele definiu cinco níveis de necessidades:

1.      As necessidades fisiológicas (onde se localizam as necessidades de ar, água, comida e sexo que mencionamos);

2.     As necessidades de segurança e estabilidade;

3.      As necessidades de amor e pertencimento;

4.      As necessidades de estima;

5.      A necessidade de auto realização.



As necessidades básicas:



1. As necessidades fisiológicas. Essas incluem as necessidades que temos de oxigênio, água, proteínas, sais, açúcares, cálcio e outros minerais e vitaminas. Também incluem a necessidade de manutenção do pH do organismo (uma acidez excessiva ou muito baixa pode matar você) e da temperatura (36oC ou próximo disso). Além disso, há necessidade de ter atividades, de descansar, dormir, livrar-se de substâncias tóxicas ou inúteis (CO2, suor, urina, fezes), de evitar dor e de fazer sexo. Uma coleção de necessidades bastante grande!

Maslow acreditava, e a pesquisa confirma, que uma falta de, por exemplo, vitamina C, provocará um desejo por coisas específicas que forneceram vitamina C no passado – por exemplo, suco de laranja.

2. As necessidades de segurança e estabilidade. Quando as necessidades fisiológicas são resolvidas de um modo geral, o segundo nível de necessidades entra em jogo. Você se tornará gradualmente mais interessado em encontrar circunstâncias seguras, de estabilidade e proteção. Você vai desenvolver a necessidade de ter uma estrutura, alguma ordem e alguns limites.

Olhando pelo lado negativo, você vai passar a se preocupar não mais com sua fome e sua sede, mas com seus medos e ansiedades. Esse grupo de necessidades se manifesta no desejo de ter um lar seguro, um emprego, um plano de saúde, um plano de aposentadoria, e assim por diante.

3. As necessidades de amor e pertencimento. Quando se consegue suprir, de modo geral, as necessidades fisiológicas e de segurança, surge um terceiro nível. Você começa a sentir necessidade de ter amigos, um namorado ou namorada, filhos, bons relacionamentos em geral, e mesmo um senso de comunidade. Olhando pelo lado negativo, você se torna gradualmente mais sensível à solidão e às ansiedades sociais.

No nosso dia-a-dia, expressamos essas necessidades em nossos desejos de casar, ter uma família, ser parte de uma comunidade, membro de uma religião, torcedor de um time, etc. Isso também é parte do que procuramos quando escolhemos uma profissão.

4. As necessidades de estima. Em seguida, começamos a desejar um pouco de autoestima. Maslow percebeu duas versões das necessidades de estima: uma inferior e uma superior. A inferior é o desejo de ter o respeito dos outros, a necessidade de status, fama, glória, reconhecimento, atenção, reputação, apreciação, dignidade e mesmo dominância. A versão superior envolve a necessidade de autorrespeito, incluindo sentimentos como confiança, competência, capacidade de realização, mestria, independência e liberdade. Note que essa é uma forma "superior" porque, diferente do respeito que os outros têm por você, uma vez que você tenha autorrespeito, este é muito mais difícil de perder. A falta de satisfação dessas necessidades são o que geram a baixa autoestima e os complexos de inferioridade. Maslow percebeu que Adler

tinha encontrado algo importante quando propôs que essas eram as raízes de muitos, senão da maioria, de nossos problemas psicológicos. Os quatro níveis anteriores são chamados D-Needs (Deficit Needs, necessidades geradas pela falta). Isso significa que, se você não tem o que precisa – ou seja, se você tem um déficit – então você sente a necessidade.

Maslow também fala desses níveis inferiores em termos de homeostase. Homeostase é o princípio pelo qual a temperatura do seu organismo é controlada, buscando sempre o ponto de equilíbrio. Quando o tempo está muito quente, a transpiração faz com que seu corpo esfrie. Quando o tempo está frio, o metabolismo se acelera para aquecer o corpo. Do mesmo modo, quando seu corpo precisa de alguma substância, surge um desejo por algum alimento que contenha aquela substância. Quando você tiver essa substância em quantidade suficiente no corpo, aquela fome específica cessará. O ponto de equilíbrio foi atingido, pelo menos por enquanto. Maslow simplesmente estendeu o princípio da homeostase para as necessidades de segurança, pertencimento e estima. Maslow vê esses quatro primeiros níveis como necessidades de sobrevivência. Até mesmo amor e estima são necessários à manutenção da saúde. Ele diz que todos nós temos essas necessidades implantadas geneticamente, como se fossem instintivas. De fato, ele usa o termo "necessidades instintóides" (instintóide significa "como se fosse um instinto"). Em termos de desenvolvimento geral, nós percorremos esses níveis um pouco como se fossem estágios. Quando somos recém-nascidos, nosso foco está no fisiológico. Mas logo começamos a reconhecer nossa necessidade

de segurança. Logo depois disso, o bebê se esforça por conseguir atenção e afeição. Um pouco mais tarde, procuramos autoestima. Veja só, isso tudo nos primeiros anos de vida! Em situações de estresse, ou quando nossa sobrevivência é ameaçada, pode acontecer de "regredirmos" a um nível inferior de necessidades. Quando sua maravilhosa carreira profissional vai por água abaixo, pode ser que você comece a procurar um pouco de atenção. Se sua família vai embora de repente, vai parecer que amor é tudo que você sempre precisou na vida. Se você vai à falência depois de uma vida longa e feliz, de repente você não consegue pensar em nada além de dinheiro. Essas coisas podem acontecer também além do nível individual, no nível social. Quando uma sociedade se desorganiza, as pessoas começam a desejar um líder forte que conserte as coisas. Se o país entrar em guerra e bombas começarem a cair, a principal preocupação das pessoas passará a ser a segurança. Se os alimentos pararem de chegar aos mercados, as necessidades se tornarão ainda mais básicas, chegando ao nível fisiológico.

Maslow sugeria que se perguntasse às pessoas sobre sua "filosofia do futuro" – ou seja, como seria a vida ideal ou o mundo ideal para elas. Pelas respostas, pode-se obter informações importantes sobre quais necessidades elas tinham ou não suprido. Se você teve problemas significativos ao longo do desenvolvimento – um período de muita insegurança ou fome quando criança, ou perda de um membro da família devido a morte ou divórcio, ou ainda negligência ou abuso – pode ser que você se "fixe" naquele grupo de necessidades pelo resto de sua vida. Esta é a compreensão de Maslow sobre a neurose. Imagine que você passou por uma situação de guerra quando criança. Agora você pode ter tudo que precisa, mas ainda poderá estar obcecado por guardar dinheiro ou ter um estoque de comida. Ou talvez seus pais se divorciaram quando você era jovem. Agora você tem uma maravilhosa esposa, mas tem um ciúme doentio e um medo de que ela o deixe porque você não é bom o suficiente para ela.



A Auto Realização e a Motivação



Os quatro níveis apresentados são os D-Needs (Deficit Needs). Ou seja, se você tem falta em algum desses níveis, você sente a necessidade, e procura supri-la. Mas se você tiver tudo que precisa, o que você sente? Nada?! É isso mesmo! Ou seja, essas necessidades deixam de ser motivadoras. É estranho pensar dessa forma, mas se você supriu todas as necessidades fisiológicas, de segurança, de amor e de estima, então você não sente mais falta de nada! Qual então a motivação para continuar se desenvolvendo?

É por isso que o último nível é um pouco diferente. Maslow usou uma variedade de termos para se referir a este nível. Ele o chamou de B-Needs (Being Needs, ou Necessidades de Ser), ou ainda "motivação para o crescimento", ou ainda "auto realização". As pessoas que atingem esse nível foram chamadas por Maslow de "auto realizadoras". As necessidades desse nível não se referem à busca de equilíbrio ou homeostase. Uma vez que essas necessidades são acionadas, elas continuam a ser sentidas indefinidamente, e não há como atendê-las plenamente. É como se elas se tornassem mais fortes quanto mais você tenta alimentá-las. Elas se referem ao contínuo desejo de desenvolver potencialidades, de "ser tudo que você pode ser". Elas o impelem a se tornar o mais completo "você" que só você pode ser. Daí o termo Auto Realização.



As pessoas Auto Realizadoras



Vamos pensar um pouco na teoria até este ponto. Se você quer ser realmente uma pessoa auto realizadora, você precisa suprir suas necessidades inferiores, pelo menos até certo nível. Isso faz sentido: Se você tem fome, você vai se virar para conseguir comida; se você não se sente seguro, estará constantemente em alerta; se você está isolado e sem amor, você vai tentar satisfazer essa necessidade; se você tem uma baixa auto estima, vai se tornar defensivo ou tentar compensar de alguma forma. Ou seja, quando suas necessidades inferiores não são satisfeitas, você não consegue se dedicar totalmente ao desenvolvimento de seus potenciais.

Não é surpresa, portanto, com o mundo difícil em que vivemos hoje, que apenas uma pequena porcentagem da população mundial seja, verdadeira e predominantemente, auto realizadora. Maslow em certo ponto sugeriu que apenas 2% da humanidade são pessoas auto realizadoras. Surge então a questão: o que exatamente Maslow chama de auto realização? Para responder a isso, precisamos dar uma olhada nas pessoas que ele chamava de auto realizadoras. Felizmente, Maslow fez isso para nós, usando um método qualitativo denominado análise biográfica.

Pra começar, ele selecionou um grupo de pessoas. Algumas eram figuras históricas, outras eram pessoas que ele conhecia. As pessoas escolhidas eram aquelas que Maslow sentia que se encaixavam no padrão de auto realização. Nesse grupo estavam Abraham Lincoln, Thomas Jefferson, Albert Einstein, Eleanor Roosevelt, Jane Adams, William James, Albert Schweitzer, Benedict Spinoza, Aldous Huxley, e mais 12 pessoas cujos nomes foram mantidos em segredo e que estavam vivas na época em que Maslow conduziu a pesquisa. Ele então estudou suas biografias e escritos, e os atos e palavras daquelas que ele conhecia pessoalmente. A partir dessas fontes, Maslow criou uma lista de qualidades que pareciam características dessas pessoas, em oposição à grande maioria de pobres mortais como nós. Essas pessoas eram "centradas na realidade" (reality-centered), o que significa que elas conseguiam distinguir o que é falso e enganoso do que é real e genuíno. Elas eram "centradas em problemas" (problem-centered), o que quer dizer que elas tratavam as dificuldades da vida como problemas que precisavam de soluções, não como frustrações pessoais com as quais devessem se irritar e se conformar. Elas tinham uma percepção diferente de meios e fins. Elas sentiam que os fins não necessariamente justificavam os meios, mas que os meios poderiam ser fins em si mesmos e que os meios – a jornada – eram, com muita frequência, mais importantes que os fins. Os auto realizadores também têm um modo diferente de se relacionar com os outros. Primeiramente, eles apreciam a solidão e se sentem confortáveis em estar sozinhos. E eles apreciam relações pessoais profundas com alguns poucos amigos próximos e membros da família, mais do que relações superficiais com muitas pessoas. Eles apreciam a autonomia, uma relativa independência das necessidades físicas e sociais. E eles resistem à aculturação, ou seja, não são suscetíveis à pressão social de serem "bem ajustados" ou de se adequarem ao padrão – eles são, na verdade, inconformados, no melhor dos sentidos.

Eles têm um senso de humor não hostil – preferem fazer piada de si próprios, ou da condição humana, e nunca fazem humor às custas de alguém. Eles têm uma qualidade que Maslow chamou de aceitação de si mesmo e dos outros, que significa que eles são mais propensos a aceitar você como você é do que tentar mudá-lo para o modo como eles acham que você deveria ser. Essa mesmo aceitação aplica-se às atitudes deles em relação a si mesmos: se alguma característica pessoal não é prejudicial, eles a aceitam, até mesmo apreciando-a como uma peculiaridade pessoal. Por outro lado, eles são fortemente motivados a mudar características negativas de si próprios que podem ser mudadas. Paralelamente a essa aceitação, possuem espontaneidade e simplicidade: eles preferem ser eles mesmos a serem pretensiosos ou artificiais. Além disso, eles tinham um senso de humildade e respeito para com os outros – algo que Maslow também chamou de "valores democráticos" – significando que eles eram abertos à diversidade dos indivíduos e à diversidade étnica, considerando-as inclusive um tesouro da humanidade. Eles tinham uma qualidade que Maslow chamou "human kinship", termo que denota um sentimento de fraternidade para com a raça humana. Significa interesse social, compaixão, humanidade. Essa qualidade era acompanhada de um forte senso ético, que tinha uma conotação espiritual, mas raramente ligado a religiões convencionais. E essas pessoas tinham uma habilidade de ver as coisas, até mesmo as coisas comuns, com admiração. Em paralelo a isso há a capacidade de serem criativas, inventivas e originais. E finalmente, essas pessoas tendiam a ter mais experiências culminantes (peak experiences) do que as pessoas comuns. Uma experiência culminante é um momento em que você é tirado de si mesmo, que faz você se sentir minúsculo, ou muito grande, em certa medida sentir-se um com a vida, ou com a natureza, ou com Deus. Dá a sensação de ser parte do infinito e do eterno. Essas experiências tendem a deixar marcas profundas na vida da pessoa, mudá-la para melhor, e muitas pessoas procuram essa experiência ativamente. São também chamadas de experiências místicas, e são conhecidas em muitas tradições religiosas e filosóficas.

Maslow obviamente não declara que os auto realizadores são perfeitos. Há muitas falhas ou imperfeições que ele descobriu ao longo de suas pesquisas. Em primeiro lugar, essas pessoas frequentemente sofrem de considerável ansiedade e culpa – culpa e ansiedade realistas, e não as versões neuróticas. Alguns deles estavam sempre perdidos em pensamentos ou eram exageradamente bondosos. E finalmente, alguns deles tinham momentos inesperados de crueldade, frieza e perda de humor. Há duas outras observações sobre os auto atualizadores: a primeira é que seus valores eram "naturais" e pareciam fluir sem esforço de suas personalidades. Em segundo lugar, eles pareciam transcender muitas das dicotomias que outros aceitavam como inquestionáveis, como por exemplo as diferenças entre espiritual e físico, ou entre egoísmo e o altruísmo, ou entre o masculino e o feminino.



Metanecessidades e Metapatologias



Outro modo como Maslow abordou o problema de definir o que é a auto realização foi falando sobre as necessidades especiais, também chamadas de metanecessidades (B-needs), que direcionam a vida dos auto realizadores. Eis o que eles precisam em suas vidas para serem felizes:



Desejados e Indesejados

Verdade e Desonestidade

Beleza e Feiura ou vulgaridade

Unidade, completude, transcendência de opostos e Arbitrariedade ou escolhas forçadas

Vitalidade e Morte ou mecanização da vida

Singularidade e Uniformidade

Perfeição e necessidade Descuido, inconsistência ou acidente

Justiça e ordem Injustiça e ausência de leis

Simplicidade e Complexidade desnecessária

Riqueza e Empobrecimento ambiental

Ausência de esforço e Esforço excessivo

Auto suficiência e Dependência

Sentido e Ausência de sentido



À primeira vista, pode parecer que todo mundo obviamente precisa disso. Mas pense: se você vive em dificuldades econômicas ou em meio a uma guerra, se você vive numa favela, você se preocupa mais com esses valores, ou em como conseguir comida ou um teto para passar a noite?



De fato, Maslow acredita que muito do que está errado no mundo é devido ao fato de muito poucas pessoas estarem interessadas nesses valores – não porque sejam más pessoas, mas porque elas nem sequer conseguiram atender suas necessidades básicas.



Quando o auto realizador não consegue satisfazer essas necessidades, ele desenvolve metapatologias – uma lista de problemas tão grande quanto a lista de metanecessidades! Vamos resumir dizendo que, quando forçado a viver sem esses valores, o auto realizador desenvolve depressão, falta de esperança, desgosto, alienação e um certo grau de cinismo.

Maslow esperava que seus esforços em descrever as pessoas auto realizadoras eventualmente levassem a uma "tabela periódica" dos tipos de qualidades, problemas, patologias e soluções características dos mais altos níveis do potencial humano. Com o tempo, ele dedicou atenção crescente não à sua própria teoria, mas à Psicologia Humanista e ao movimento dos potenciais humanos.



O modelo de hierarquia de necessidades foi desenvolvido entre 1943 e 1954, e sua primeira publicação extensiva ocorreu em 1954, no livro Motivação e Personalidade. Nessa época, o modelo de hierarquia de necessidades era composto de cinco níveis, esses que apresentamos aqui. Mais tarde, em seu livro Introdução à Psicologia do Ser (1962), que acabou por se tornar o mais popular, Maslow já apresentava uma noção mais ampliada das necessidades humanas e já incorporava elementos do que seriam a semente do pensamento transpessoal em Maslow, em especial a noção de transcendência. Estudiosos da obra de Maslow posteriormente refizeram a clássica pirâmide, que passou então a ter oito camadas.



No fim de sua vida, Maslow inaugurou o que ele chamou de Quarta Força em psicologia. O behaviorismo era a primeira força; A psicanálise freudiana e demais "psicologias profundas" constituíam a segunda; sua própria Psicologia Humanista, incluindo os existencialistas europeus era a terceira força. A Quarta Força é representada pela Psicologia Transpessoal que, buscando inspiração nas filosofias orientais, pesquisa assuntos como meditação, níveis superiores de consciência, e mesmo fenômenos parapsicológicos. Talvez o transpersonalista mais conhecido atualmente seja Ken Wilber, autor de livros como O Projeto Atman e Uma Breve História de Tudo.



Maslow depositava uma esperança otimista nessa nova corrente da psicologia. Vejamos suas próprias palavras, no Prefácio à segunda edição de "Introdução à Psicologia do Ser":



Considero a Psicologia Humanista, ou Terceira Força em Psicologia, apenas transitória, uma preparação para uma Quarta Psicologia ainda "mais elevada", transpessoal, transumana, centrada mais no cosmo do que nas necessidades e interesses humanos, indo além do humanismo, da identidade, da individuação e que já descreve o que somos. [...] Esses novos avanços podem muito bem oferecer uma satisfação tangível, usável e efetiva do "idealismo frustrado" de muita gente entregue a um profundo desespero, especialmente os jovens. Essas Psicologias comportam a promessa de desenvolvimento de uma filosofia de vida, de um substituto da religião, de um sistema de valores e de um programa de vida cuja falta essas pessoas estão sentindo. Sem o transcendente e o transpessoal ficamos doentes, violentos e niilistas, ou então vazios de esperança e apáticos. Necessitamos de algo "maior do que somos", que seja respeitado por nós próprios e a que nos entreguemos num novo sentido, naturalista, empírico, não eclesiástico [...]



Maslow não chegou a ver fundada a Associação de Psicologia Transpessoal (Association for Transpersonal Psychology), o que só ocorreu em 1972, dois anos após sua morte.



Principais influenciadores:



Alfred Adler (1970-1937), médico e psicólogo austríaco

Erich Fromm (1900-1980), psicanalista alemão

Harry Harlow (1905-1981), psicólogo americano

Kurt Goldstein (1878-1965), psiquiatra alemão

Max Wertheimer (1880-1943), psicólogo tcheco

Ruth Benedict (1887-1948), antropóloga americana



Linha do Tempo:

1908 - No dia 1 de abril, nasce Abraham Harold Maslow, no Brooklyn, Nova Iorque (EUA).

1928 - Casa-se, contra a vontade de seus pais, com Bertha Goodman, sua prima em primeiro grau.

1930 - Forma-se em Psicologia, pela Universidade de Wisconsin.

1931 - Termina seu mestrado em Psicologia, na Universidade de Wisconsin.

1934 - Termina seu doutorado em Psicologia, também pela Universidade de Wisconsin.

1937-1951 - Leciona no Brooklyn College, em Nova Iorque.

1943 - Publica o artigo "A Theory of Motivation" (Uma teoria sobre a motivação), que acabaria se tornando famoso por introduzir a primeira noção da Hierarquia de Necessidades.

1951 - Torna-se chefe do departamento de Psicologia da Universidade de Brandeis.

1954 - Publica o livro "Motivação e Personalidade" (Motivation and Personality).

1961 - Maslow ajuda Anthony Sutich a criar a Revista de Psicologia Humanista.

1962 - Escreve o livro "Introdução à Psicologia do Ser" (Towards a Psychology of Being).

1962 - Maslow ajuda Anthony Sutich a fundar a Associação de Psicologia Humanista (Association for Humanistic Psychology).

1968 - Maslow é eleito presidente da Associação de Psicologia Americana.

1970 - Em 8 de junho, Maslow morre, aos 62 anos, de ataque cardíaco.



Livros de Abraham Maslow:

(o ano indicado refere-se à primeira edição da obra)

Motivation and Personality. Harper Row, 1954.

Toward a Psychology of Being. (Introdução à Psicologia do Ser). Vanb Nostrand, 1962.

Religions, Values and Peak-experiences. Ohio State University, 1964.

The Psychology of Science: A Reconnaissance. Harper Row, 1966.

The Farther Reaches of Human Nature. Viking Press, 1971.

Future Visions: The Unpublished Papers of Abraham Maslow. Sage Publications, 1996.

Maslow on Management. (Maslow no Gerenciamento). Wiley, 1998.

The Maslow Business Reader. (O Diário de Negócios de Maslow). Wiley, 2000.



Referências Bibliográficas

A SCIENCE ODISSEY: Peoples and Discoveries: Abraham Maslow. Disponível

em: . Acesso

em: 4 abr. 2008.

BOEREE, C. G. Abraham Maslow. Disponível em:

. Acesso em: 4 abr. 2008.

BUTLER-BOWDON, Tom. 50 Psychology Classics: Who We Are, How We Think,

What We Do; Insight and Inspiration from 50 Key Books. London:

Nicholas Brealey Publishing, 2007.

HOFFMAN, Edward. The right to be a human: a biography of Abraham

Maslow. McGraw-Hill, 1999.

HUITT, William G. Maslow's Hierarchy of Needs. Educational Psychology

Interactive, Valdosta State University, Valdosta, GA, 2004. Disponível

em: . Acesso

em: 23 jun. 2008.

MASLOW, A. H. Introdução à Psicologia do Ser. 2.ed. Rio de Janeiro:

Eldorado, s/d.







Personalidade Criminosa
Cogita-se a existência de determinada personalidade inclinada significativamente para o crime.



A criminalidade atual tem constatado violações cada vez mais peculiares da lei, da moral e da ética, tem se surpreendido pela produção de delitos em faixas etárias cada vez menores, pela atitude criminosa cada vez mais presente em pessoas "normais", do ponto de vista sociocultural, por delitos motivados cada vez mais por questões de difícil compreensão. Isso tudo exige novas reflexões sobre as relações entre a psicopatologia e o ato delituoso.

Cogitar sobre a existência de uma personalidade propensa ao crime e ao delito sempre foi uma preocupação de muitos autores da sociologia, psiquiatria e antropologia. Alguns identificam nessas pessoas naturalmente más, portadores de Transtorno Antissocial da Personalidade, ou Sociopatas, ou Psicopatas e coisas assim. Vamos refletir sobre algumas questões dessa natureza.

Será o criminoso responsável pelos seus atos ou vítima de um estado doentio?
A sociedade em geral e, em particular, a justiça penal carece de noções mais precisas corroborando ou contestando da forma mais clara possível, a ideia de Traços de Personalidade ou de uma Personalidade Criminosa determinante de comportamentos delinquentes. Essa também é a grande dúvida da psiquiatria.

Especular sobre o grau de noção ou de juízo crítico que o criminoso tem de seu ato, e até que ponto ele seria senhor absoluto de suas ações ou servo submisso de sua natureza biológica, social ou vivencial, sempre foi preocupação da sociologia, antropologia e psiquiatria. Isso se aplica aos inúmeros casos de assassinos seriais, estupradores contumazes, gangues de delinquentes, traficantes, estelionatários, etc.

Como veremos nessa revisão, dois pontos se destacam na literatura mundial; primeiro, é que parece aceito, unanimemente, a existência de determinada personalidade marcantemente criminosa ou, ao menos, inclinada significativamente para o crime. Em segundo, que a diferença principal entre as várias tendências doutrinárias diz respeito à flexibilidade ou inflexibilidade dessa personalidade criminosa, atribuindo ora uma predominância de fatores genéticos, ora de fatores emocionais e afetivos e, ora ainda, fatores sociais e vivenciais. E essa última questão estará diretamente relacionada ao arbítrio, juízo e punibilidade do infrator.

A ocasião faz o ladrão ou existe o Livre Arbítrio?

Monomania Homicida, um termo curioso, foi proposto por Esquirol em 1838 para designar certas formas de loucura, cujo único sintoma evidente seria uma desordem ética e moral, propensa à prática de crimes. Talvez se tratasse de uma exigência mais social que médica, numa tentativa da sociedade segregar as duas figuras mais temidas do desvio da conduta humana; o louco alienado e o criminoso cruel. Esta posição nosográfica foi reforçada por Prichard, alguns anos depois de Esquirol, com seus trabalhos sobre uma tal Loucura Moral.

Hoje, séculos e nomenclaturas depois, existem na CID.10 critérios de diagnóstico para a Personalidade Dissocial, caracterizada por um desprezo das obrigações sociais, falta de empatia para com os outros e por um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais.

Neste tipo de personalidade há uma baixa tolerância à frustração e baixo limiar de descarga da agressividade, inclusive da violência, existe também uma tendência a culpar os outros ou a fornecer racionalizações duvidosas para explicar um comportamento de conflito com a sociedade. Seriam sinônimos dessa Personalidade Dissocial:

Personalidade Amoral,

Personalidade Anti-social,

Personalidade Associal,

Personalidade Psicopática e a

Personalidade Sociopática.



No DSM.IV, por sua vez, a característica essencial do transtorno da Personalidade Antissocial seria um padrão de desrespeito e violação dos direitos dos outros, padrão este também conhecido como psicopatia, sociopatia ou transtorno da personalidade dissociai. O engodo e a manipulação maquiavélica das outras pessoas são aspectos centrais neste transtorno da Personalidade, no qual ocorre também violação de normas ou regras sociais importantes. Os comportamentos criminosos ou delinquências características desse transtorno de personalidade englobam a agressão a pessoas e animais, destruição de propriedade, defraudação ou furto e séria violação de regras.



As pessoas com transtorno da Personalidade Antissocial não se conformam às normas legais, desrespeitam os direitos ou sentimentos alheios, enganam ou manipulam os outros a fim de obter vantagens pessoais, mentem repetidamente, ludibriam e fingem. Esses indivíduos costumam ainda ser irritáveis ou agressivos.

A dúvida que costuma acometer a maioria dos psiquiatras diz respeito à existência ou não de um real componente psicopatológico atrelado a Sociopatia. Michel Foucault, por exemplo, contestava essa entidade estranha e paradoxal inventada pela psiquiatria do Século XIX, que era a Monomania Homicida ou a Loucura Moral, e que caracterizava crimes que não eram senão uma forma de loucura ou, mais grave ainda, uma loucura que não se revela senão através do crime.



A discussão que sempre existiu sobre a conduta humana se dá entre dois argumentos causais: o Livre Arbítrio da pessoa, o qual implica na consequência e eventual punibilidade dos atos de todas as pessoas e, por outro lado, na Constituição Biológica, como uma fatalidade orgânica que empurra a pessoa a agir dessa ou daquela forma (maniqueistamente).



O reconhecimento da existência de uma personalidade em estado perigoso (periculosidade), fez com que a sociedade não se preocupasse mais, e exclusivamente, com a gravidade do ato criminoso mas, sobretudo, com a incômoda e problemática natureza do criminoso. A noção de Periculosidade, então, nasceu da conceituação de alguma patologia incrustada na personalidade do criminoso, tal como a antiga Monomania Homicida, atenuando assim a responsabilidade plena dos atos cometidos e, ao mesmo tempo, prevenindo a sociedade da presença incômoda desses mutilados éticos através da segregação manicomial.



Apesar de hoje em dia não ser mais aceita a noção simplória da Monomania Homicida, antes de ser abandonada essa ideia estimulou a esdrúxula Teoria da Degenerescência, desenvolvida por Morel em 1857 e embasada por outros autores de grande expressão. Na realidade, foi a partir da Degenerescência da espécie humana, de Morel, através de seus simpatizantes ou contestadores, que se desenvolveram as mais variadas teorias biológicas, psicológicas, sociológicas e antropológicas sobre o crime, criminalidade e criminoso que hoje conhecemos.



Inicialmente tivemos as conhecidas ideias de Lombroso, através de seus estudos morfológicos e anatômicos, na tentativa de conhecer mais profundamente a natureza do ser humano criminoso. Ele pressupunha um conjunto de estigmas biológicos e anatômicos que caracterizariam o criminoso e revelariam nele a reminiscência de um nível inferior da escala do desenvolvimento humano. Era uma espécie de determinismo biológico que marcava profundamente essas pessoas tidas como sub-humanas.



Nessa época distinguia-se apenas dois tipos de criminosos; o criminoso ocasional, representado por uma pessoa normal e fortuitamente criminosa sob influência de diversas circunstâncias e o criminoso nato, de natureza diferente da do homem normal, instintivo e cuja inclinação para o crime resultava de uma organização própria de sua biologia. Esse conceito em nada difere o Louco Moral do atual Sociopata.



Em seguida, Lombroso passou a classificar os criminosos em 5 tipos:



1. O Criminoso Nato, segundo ele representado pela maioria dos casos era, como o próprio nome indica, portador de um patrimônio genético causador de sua criminalidade. Ele é seria o resquício do Homem Selvagem, uma espécie de subtipo humano, enfim, um ser degenerado.
2. O Criminoso Louco ou Alienado, no qual existia uma perturbação mental associada ao comportamento delinquente, considerado como um Louco Moral ou um Perverso Constitucional.
3. O Criminoso Profissional, que não possui os estigmas biológicos inatos, como os anteriores, mas que se tornava criminoso por forças e pressões do seu meio. Este criminoso começa por um crime ocasional e pode reincidir.
4. O Criminoso Primário, que cometerá um ou outro delito por força de um conjunto de fatores circunstanciais do meio, mas não tenderia para a reincidência. De acordo com Lombroso, estes eram ainda predispostos por hereditariedade para o crime, mas não possuíam uma tendência genética para ele (?). Para Ferri (Peixoto), seriam, ao contrário do ditado que diz "a ocasião faz o ladrão", ladrões já prontos e aguardando a melhor ocasião para roubar.
5. O Criminoso por Paixão, vítima de um humor exaltado, de uma sensibilidade exagerada, "nervoso", explosivo e inconsequente, a quem a contrariedade dos sentimentos leva por vezes a cometer atos criminosos, impulsivos e violentos, como solução para as suas crises emocionais.

O que é determinismo criminoso ?

Apesar dos estudos de Lombroso terem se limitado às relações entre anatomia e crime, entendendo-se este como uma espécie de anomalia morfológica, sua contribuição foi fundamental para o enriquecimento do conceito holístico do ser humano. Garofalo, na mesma linha das concepções genéticas e constitucionais, atribuía maior importância aos aspectos morais e psicológicos do que aos elementos anatômicos. Ele passou a defender o ponto de vista, segundo o qual, os criminosos possuiriam uma anomalia moral e psíquica, uma espécie de lesão ética, responsável pela prática da delinqüência. A predeterminação da personalidade ao crime caminhou, então, da anatomia defeituosa à lesão ética. De qualquer forma, não se falava em livre arbítrio do criminoso.

 
Foi nesta ocasião que Colajanni, defendendo também a predisposição psíquica do delinqüente, sugeriu à criminologia o conceito de periculosidade; uma perversidade constitucional e ativa no delinqüente, bem como uma certa quantidade de maldades que se podia esperar dele, quase automaticamente. Nesta mesma época, partindo ainda das concepções biológicas de Lombroso, Enrico Ferri, elaborou um dos primeiros modelos integrativo do direito com a psiquiatria e com a sociologia, valorizando como um importante fator na determinação do crime, além da predisposição psíquica, também o meio social onde se inseria o criminoso. Ainda assim não se falava em juízo crítico e arbítrio do contraventor; ora era a biologia a responsável pelo delito, ora a tal Lesão Ética, ora a psicologia claudicante do criminoso e, finalmente, poderia ser também o meio social propício ao crime.



Se Lombroso despertou uma série de conceitos posteriores baseados na importância da constituição biológica, não lhe faltaram opositores. Os autores mais modernos achavam demasiadamente retrógrada a ideia do determinismo biológico de Lombroso, e alguns preferiam o determinismo social.



Embora essa nova migração das influências criminais, do biológico para o social, dava a impressão de chique avanço intelectual, continuava sendo determinista do mesmo jeito. O criminoso continuava objeto de forças emancipadas de seu arbítrio e decisão. Este determinismo social, concebido por autores da moda, não era menos radical que o determinismo biológico de Lombroso. Alguns até defendiam que "cada sociedade tem os criminosos que merece", e que os fatores sociais e geográficos, por si só, já seriam suficientes para explicar a criminalidade. Dessa forma, a intenção, motivo ou personalidade do delinquente, ficavam em segundo plano.

 
Apesar de todas estas movimentações doutrinárias, a figura do Criminoso Nato e Constitucional dominou os estudos de criminologia no séc. XIX e início do séc. XX, progressivamente substituindo a predominância da constituição biológica em favor de uma natureza psicológica, moral e até social. Com base nestas várias teorias, considera-se a possibilidade de alguma alteração psíquica relacionada com a criminalidade. Inicialmente tem-se em mente a figura do Perverso Constitucional e, posteriormente, a figura do Sociopata e do Psicopata, atualmente, fala-se na Personalidade Antissocial dos manuais de diagnóstico DSM.IV e CID.10.



Na realidade, ao longo de mais de um século houve apenas um deslocamento das teorias deterministas; inicialmente falava-se no determinismo biológico, onde as constituições genéticas e hereditárias eram determinantes absolutas. Posteriormente foi a vez do determinismo moral, onde o indivíduo podia já nascer degenerado ou normal. Em seguida, foi a vez do determinismo psicológico, onde as maneiras da pessoa reagir psicologicamente à vida eram inatas, absolutas e invariáveis e, finalmente, veio o determinismo social, reconhecendo circunstâncias sociais que empurravam invariavelmente a pessoa para o crime.
Com tantos determinismos, de qualquer forma o delinquente continuava sempre sendo vítima de alguma circunstância, interna ou externa, a qual eximia a responsabilidade plena por seu ato, como se, por sua constituição, fosse ela biológica, moral ou psicológica, ou ainda pelas adversidades sociais e culturais ou, simplesmente pelo modismo, não lhe restasse outra opção senão o crime.







Quem acredita no Livre Arbítrio do criminoso?

Se, do século XIX até atualmente, acreditava-se que elementos ou fatores, internos ou externos, determinavam inexoravelmente uma espécie de Homem Criminoso, recentemente surgiu uma nova corrente fenomenológica de De Greeff. Trata-se de uma tendência que procura compreender as vivências interiores do delinquente e o processo do ato criminoso, partindo dum pressuposto de que o delinquente não é um ser diferente, por natureza ou qualidade, das outras pessoas. Em natureza e qualidade, o hipotético Homem Criminoso seria igual ao indivíduo dito normal, diferindo deste apenas em relação a um certo número de características, as quais facilitam nele a execução do ato criminoso.



Com De Greeff deixamos o constitucional ou degenerado comprometedor da espécie humana, e passamos a considerar a pessoa com sua história pessoal, a considerar o conjunto de processos psicológicos, afetivos, morais, sociais, etc, eventualmente capazes de conduzir à criminalidade. E esse "certo número de características, as quais facilitam nele a execução do ato criminoso", parece tratar-se de algo relacionado à escala de valores, ou seja, um atributo muito mais arbitrário e eletivo das pessoas do que os determinismos estigmatizantes até então considerados.



As idéias de De Greeff despertaram a necessidade de encarar o delinquente como qualquer outra pessoa, possuidor de uma história particular e opções pessoais realizadas em função desta história. Tal posição pode ser considerada "fenomenológica", e atenuou, sobremaneira, a hipótese de uma incontrolável predeterminação biológica, psicológica e social para a criminalidade. Essa fenomenologia valorizava sim a conduta geral da pessoa, seu caráter, seus motivos, instintos, afetos e antecedentes pessoais. A partir de agora, há necessidade de se conhecer profundamente o criminoso naquilo que ele tem de mais específico: sua personalidade específica pessoal e não mais uma personalidade geral e própria dos Homens Criminosos.



Livrar-se da ideia de Personalidade Criminosa não é tão simples assim.
Surgiu então o Conceito de Periculosidade. O conceito de periculosidade, tal como refere Debuyst, incluía três elementos: a personalidade criminosa, a situação perigosa e a importância sociocultural do ato cometido. Segundo este autor, através da periculosidade seria possível fazer um diagnóstico dos traços de personalidade e definir adequadas medidas de intervenção. Assim sendo, com o conceito de periculosidade volta à tona a ideia de personalidade criminosa, como dissemos, difícil de se livrar.

 
O conceito de periculosidade se mantém indissociável do conceito de personalidade (criminosa), e ambos seriam conceitos fundamentais para o desenvolvimento da criminologia clínica. Através desta, acredita-se poder concentrar esforços na procura de índices capazes de identificar características de risco e fatores desencadeantes. Aqui ficam patentes a avaliação da periculosidade do sujeito e a eventual arguição de seu potencial de socialização.


Determinismo à parte, não se consegue esquecer o fato do conceito de personalidade ser, por si próprio, problemático. As principais teorias psicológicas da criminalidade que hoje em dia dominam a investigação nesta área poderão ser agrupadas em duas grandes linhas gerais. Uma delas, centrada na pesquisa das diferenças que caracterizam a dita Personalidade Criminosa, específica do criminoso e determinadora do ato delinquente (Pinatel, Le Blanc), e uma outra linha, a de investigação, mais ligada à análise do vivido do criminoso e de seu percurso na criminalidade, partindo de uma abordagem fenomenológica do autor da ação delituosa (Debuyst).



Pinatel, defende a criminologia clínica como o meio de se estudar os fatores que conduzem ao ato delinquente e a identificar dos traços psicológicos subjacentes a este. Defende o ponto de vista segundo o qual, não haveria nos criminosos em geral, tipos psicopatológicos classificáveis dentro das categorias psiquiátricas tradicionais mas, no máximo, conjugações de traços de personalidade, agrupados de uma forma específica. Esses traços é que definiriam a tal Personalidade Criminosa e, esta sim, seria determinadora do comportamento delinquente. Poderemos sintetizar essa posição nos seguintes pontos:

(a) o criminoso é um homem como outro qualquer, só se diferenciando por uma maior aptidão para ato criminoso;
(b) a personalidade criminosa seria descrita através de traços psicológicos agrupados numa determinada característica;
(c) essa característica englobaria os traços de agressividade, egocentrismo, labilidade e indiferença afetiva, sendo estes os elementos responsáveis pelo ato delituoso, enquanto as variáveis, tais como o temperamento, as aptidões físicas, intelectuais e profissionais, as razões aparentes, e as necessidades seriam responsáveis pelas diferentes modalidades desse ato;
(d) a personalidade criminosa, considerada na sua globalidade, seria dinâmica em relação aos seus diferentes traços constitutivos e adaptabilidade social.

Partindo dessa noção de Personalidade Criminosa, específica de cada delinquente ou do criminoso e composta por um conjunto de traços em atuação dinâmica, diferentes investigadores chegarão a resultados diversos e, por vezes, contraditórios. Assim, por exemplo, LeBlanc e Fréchette, estudando a personalidade delinquente ao longo da infância e adolescência, concluem pela existência de uma Síndrome da Personalidade Delinquente.

Esta comportaria uma estrutura específica com os seguintes sintomas: inclinação criminosa, antissociabilidade e egocentrismo, cada um deles sofrendo desenvolvimentos diversos ao longo do tempo. De acordo com esses autores, estes traços psicológicos específicos do delinquente seriam responsaveis pela maneira como eles valorizariam o impacto que as circunstâncias sociais lhes causarão.



Numa perspectiva pouco diferente, Eysenck defende que o comportamento criminoso é o resultado da interação entre fatores ambientais e características hereditárias, o que todo mundo já sabe há tempos. Porém, ele atribui uma importância fundamental a estas últimas, as hereditárias, e desenvolve uma teoria bio-psicológica da personalidade. De qualquer forma, também Eysenck acaba defendendo a existência de uma Personalidade Criminosa, composta por um conjunto variável de traços psicológicos característicos do delinquente e responsáveis pelos seus atos transgressivos.



Entretanto, Ch. Debuyst, apesar de contestar o conceito da Personalidade Criminosa, tal como era definido, e apesar de alegar que este conceito é uma visão ingênua da realidade por ser estática e determinista, não consegue se desvencilhar da ideia de uma personalidade inclinada à contravenção, como todos os outros. Ele recomenda analisarmos a delinquência a partir de três aspectos fundamentais; a posição que o sujeito delinquente ocupa na sociedade, os processos que resultam de suas múltiplas interações sociais e, finalmente, as características de sua personalidade.



A diferença é que ele aceita, com mais facilidade, um aspecto dinâmico da personalidade, consequentemente, acaba considerando que a criminalidade não é um fenômeno estático e nem obrigatório. Acha que seria ingênuo acreditar que um conjunto fixo de elementos, sejam esses elementos os traços, estilos ou qualquer outro conceito determinista, estivesse na base de todo o comportamento transgressivo indistintamente.



Finalmente, dando um passo além do aspecto dinâmico da personalidade proposto por Debuyst, tal como um devir não totalmente determinado por circunstâncias várias, surge F. Digneffe defendendo a ideia de que o indivíduo é sim responsável, dependendo dele a construção do seu próprio mundo e projetos. Digneffe dedica-se ao estudo das maneiras como o sujeito faz a gestão da sua vida, como elabora seus aspectos relativos à ética, aos valores e ao desenvolvimento moral, acabando por adquirir uma característica pessoal de acordo com a adoção de seu próprio modelo existencial. A autora se detém, sobretudo, nos casos onde a delinquência é a forma de gestão de vida escolhida pelo indivíduo.

 
Se a Personalidade é responsável pelo crime, quem é responsável pela Personalidade?
A criminalidade moderna, entretanto, particularmente considerando-se crimes curiosos entre escolares, franco-atiradores, ideológicos, religiosos e outros, exige o desenvolvimento de outros modelos criminais. Alguns autores partem da constatação de que não existem diferenças de personalidade entre delinquentes e não delinquentes. A pesquisa atual se orienta cada vez mais para a compreensão dos processos complexos pelos quais uma pessoa se envolve numa conduta delinquente, adquire uma identidade criminosa e adota, finalmente, um modo de vida delinquente (Yochelsom).

Desta forma, não estaríamos diante um conjunto de traços de personalidade determinantes de uma conduta criminosa, mas diante de uma ação delituosa resultante da interação entre determinados contextos e situações do meio, juntamente com um conjunto de processos cognitivos pessoais, afetivos e vivenciais, os quais acabariam por levar a pessoa a interpretar a situação de uma forma particular e a agir (criminosamente) de acordo com o sentido que lhe atribui.



Aqui também se pensa numa determinada Personalidade Criminosa, entretanto, personalidade esta produzida não apenas pelo arranjo genético mas, sobretudo, pelo desenvolvimento pessoal. De acordo com novas teorias da personalidade (Agra, Guidano), seriam sete os sistemas que a constituem:

· neuropsicológico

psico-sensorial

 expressivo

 afetivo

 cognitivo

 vivencial

político.



Essa nova tendência reconhece que a personalidade e o ato são inter-relacionados da seguinte forma: a personalidade é a matriz de produção da ação e define as condições e modalidades do agir, enquanto o ato seria o processo de materialização dessa personalidade.



Hoje em dia, alguns autores que pesquisam crimes e delinquências comuns do cotidiano perpetrados por delinquentes primários e reincidentes, não têm encontrado entre eles déficits ou psicopatologias relevantes o suficiente para se associar ao que se entende por Personalidade Criminosa ou comportamento criminal, verificando-se, pelo contrário, que esses sujeitos não se distinguem significativamente dos indivíduos ditos normais.

 
Tem sido simpática a ideia de que os comportamentos transgressivos não resultam da incapacidade para agir de outra forma que não a criminosa, como pretendiam os positivistas, nem de uma determinação biológica para só agir desta forma, como acreditavam os deterministas. Os atos, delituosos ou não, estariam relacionados com processos da personalidade ao nível da construção de significados e de valores da realidade, bem como com as opções de relacionamento da pessoa com essa realidade. Tal conceito implica na existência de uma estrutura da personalidade que determina certos padrões de ação e certos padrões de inter-relação particular do indivíduo com a realidade, fazendo com que ela aja em conformidade com a visão pessoal que tem da realidade.

 
Atualmente é difícil aceitar-se a existência de uma personalidade tipicamente criminosa, composta por traços imutáveis e pré-definidos. Defende-se sim a existência de diferentes formas de organização e estruturação da personalidade, de diferentes maneiras de integrar os estímulos do meio e os processos psíquicos e de diferentes maneiras de relação com o mundo exterior. Essa estruturação típica e própria da personalidade é que produziria diferentes representações da realidade nas diferentes pessoas e, em função dessa personalidade, as pessoas definirão também suas diferentes formas de agir e de se relacionar com os outros e com o mundo.

Seguindo esse raciocínio, o criminoso, como qualquer pessoa, estabelece uma representação da realidade, desenvolve uma ordem de valores e significados, na qual a transgressão adquire um determinado sentido e se torna, em dado momento da sua história de vida, uma modalidade de vida.



Não se pretende negar aqui, peremptoriamente, as valiosas teorias da personalidade, notadamente a ideia de uma eventual Personalidade Criminosa, como advogaram inúmeros autores. Nossa ideia é apenas demonstrar que a criminalidade pode ser demasiadamente complexa para se supuser um modelo teórico relativamente simples e fixo como, por exemplo, o dos traços de personalidade ou da característica biológica criminosa (Kreitler).



Pelas mesmas razões, somos obrigados também a não considerar aceitável o conceito de periculosidade, tal como tem sido definido, facultando um prognóstico definido e uma arguição hipotética sobre o devir da pessoa dita criminosa. Estaríamos, se aceitássemos isso tudo, novamente nos confrontando com abordagens deterministas da Personalidade Criminosa.

No entanto, a grande questão que se impõe é sabermos: a partir de qual momento, negamos à pessoa a capacidade de ser, ela mesma, produtora de si mesma e determinadora de seus percursos? Ou, de outra forma: quando podemos confinar a pessoa numa análise reducionista que a transforma num objeto de conceitos como o de Personalidade Criminosa, portanto, objeto de estratégias de intervenção terapêutica concordante com esse modelo?




FAM – FACULDADE DAS AMÉRICAS
PSICOLOGIA FORENSE
ANDREA
ANTONIO
MAK
Robson

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