Pensamentos
de Abraham Harold Maslow
"O
que chamamos de “normal” em psicologia é na verdade a psicopatologia da média,
tão pouco dramática e tão extensivamente comum que nós geralmente nem a
percebemos.", começa assim Abraham Harold Maslow (A. H. Maslow), a chamar
a nossa atenção na introdução ao seu livro: A Psicologia do Ser.
"Não
acredito que a ciência mecanicista (que na psicologia corresponde ao
behaviorismo) esteja incorreta, mas apenas que seja estreita e limitada demais
para que sirva como uma filosofia geral ou abrangente." -- A. H. Maslow,
Psychology of Science: A Reconnaissance.
"Se
você planeja ser qualquer coisa menos do que aquilo que você é capaz,
provavelmente você será infeliz todos os dias de sua vida." -- A. H.
Maslow.
Biografia
de Abraham Harold Maslow (1908-1970)
Maslow
foi um pensador surpreendentemente original, pois a maioria dos psicólogos
antes dele estava mais preocupada com a doença e com a anormalidade. Maslow não
entendia as coisas desta forma, queria na verdade era saber o que constituía a
saúde mental positiva. A psicologia humanista, corrente impulsionada por ele,
deu origem a diversas diferentes formas de psicoterapia, todas guiadas pela ideia
de que as pessoas possuem todos os recursos internos necessários ao crescimento
e à cura e o objetivo da terapia é remover os obstáculos para que o indivíduo
consiga isso.
A
mais famosa dessas técnicas foi a terapia centrada na pessoa, desenvolvida por
Carl Rogers. Maslow foi também um dos grandes impulsionadores do movimento transpessoal
em psicologia.
Abraham
Maslow nasceu no dia 1 de abril de 1908, no Brooklyn, NY. Foi o primeiro dos 7
filhos de seus pais, que eram judeus com pouca educação, imigrantes da Rússia.
Seus pais, querendo o melhor para seus filhos, foram extremamente exigentes com
Maslow em relação ao sucesso acadêmico. Sua infância parece ter sido muito
infeliz, de acordo com seus próprios relatos: Fui um garoto tremendamente
infeliz... Minha família era miserável e minha mãe era uma criatura horrível...
Cresci dentro de bibliotecas e sem amigos... Com a infância que tive, é de se
surpreender que eu não tenha me tornado um psicótico. (Maslow apud Hoffman,
1999, p. 1).
Para
satisfazer seus pais, ele primeiro estudou Direito no City College of New York
(CCNY). Após 3 semestres, ele se transferiu para o Cornell, e depois retornou
ao CCNY. Casou-se com Bertha Goodman em 1928, sua prima em primeiro grau,
contra a vontade de seus pais.
Abraham
e Bertha tiveram duas filhas. O casal mudou-se para Wisconsin para que ele pudesse
cursar a Universidade de Wisconsin. Lá, ele se interessou pela psicologia, e seu
desempenho escolar melhorou dramaticamente.
Passava
o tempo lá trabalhando com Harry Harlow, famoso por seus experimentos com bebês-macacos
e comportamento de apego. Maslow terminou sua graduação em 1930, seu mestrado
em 1931 e seu doutorado em 1934, todos em psicologia, todos na Universidade de Wisconsin.
Um ano após a graduação, ele retornou a NY para trabalhar com E. L. Thorndike
na Universidade de Columbia, onde Maslow passou a interessar-se pelo estudo da
sexualidade humana.
Começou
a lecionar em tempo integral no Brooklyn College. Durante esse período de sua
vida, entrou em contato com muitos intelectuais europeus que estavam migrando
para os Estados Unidos, e para o Brooklyn em particular – pessoas como Adler,
Fromm, Horney, bem como vários psicólogos freudianos e da Gestalt.
Maslow
coordenou o curso de psicologia em Brandeis de 1951 a 1969. Lá conheceu Kurt
Goldstein, que concebeu originalmente a ideia de auto realização em seu famoso
livro "O Organismo" (1934). Foi lá também que Maslow iniciou sua
cruzada pela psicologia humanista – algo que se tornou muito mais importante
para ele do que suas próprias teorias.
Maslow,
junto com Anthony Sutich, foram os principais responsáveis pelo lançamento, nos
Estados Unidos, da Revista de Psicologia Humanista em 1961, e pela fundação da
Association for Humanistic Psychology, em 1962.
Já
no fim de sua vida, Maslow incentiva Anthony Sutich a criar a Revista de
Psicologia Transpessoal, em 1969. Maslow também incentivou, mas não chegou a
ver a fundação da Associação de Psicologia Transpessoal (Association for
Transpersonal Psychology), que só ocorreria em 1972.
Ele
passou os anos finais de sua vida em semi-reclusão na Califórnia até 8 de junho
de 1970, quando morreu de ataque cardíaco após anos de problemas de saúde.
A
Pirâmide das Necessidades, uma das muitas coisas interessantes que Maslow trouxe
para a psicologia quando pesquisava o comportamento de macacos, logo no início
de sua carreira, é que algumas necessidades têm mais prioridade que outras. Por
exemplo, se você sente fome e sede, a tendência é tentar resolver a sede
primeiro. Afinal, você pode ficar sem comida por semanas, mas apenas
sobreviverá por alguns dias se não beber água. Por isso, a sede é uma
necessidade "mais forte" que a fome. Do mesmo modo, se você está com
muita sede e alguém impede você de respirar, o que é mais importante? A
necessidade de respirar, é claro. Por outro lado, sexo é a necessidade mais
fraca de todas essas. Sejamos francos, você não vai morrer se ficar sem fazer
sexo.
Maslow
aproveitou essa ideia e criou sua famosa Hierarquia de Necessidades. Ele
definiu cinco níveis de necessidades:
1. As necessidades fisiológicas (onde se localizam
as necessidades de ar, água, comida e sexo que mencionamos);
2. As necessidades de segurança e
estabilidade;
3. As necessidades de amor e pertencimento;
4. As necessidades de estima;
5. A necessidade de auto realização.
As
necessidades básicas:
1.
As necessidades fisiológicas. Essas incluem as necessidades que temos de
oxigênio, água, proteínas, sais, açúcares, cálcio e outros minerais e
vitaminas. Também incluem a necessidade de manutenção do pH do organismo (uma
acidez excessiva ou muito baixa pode matar você) e da temperatura (36oC ou
próximo disso). Além disso, há necessidade de ter atividades, de descansar,
dormir, livrar-se de substâncias tóxicas ou inúteis (CO2, suor, urina, fezes),
de evitar dor e de fazer sexo. Uma coleção de necessidades bastante grande!
Maslow
acreditava, e a pesquisa confirma, que uma falta de, por exemplo, vitamina C,
provocará um desejo por coisas específicas que forneceram vitamina C no passado
– por exemplo, suco de laranja.
2.
As necessidades de segurança e estabilidade. Quando as necessidades fisiológicas
são resolvidas de um modo geral, o segundo nível de necessidades entra em jogo.
Você se tornará gradualmente mais interessado em encontrar circunstâncias
seguras, de estabilidade e proteção. Você vai desenvolver a necessidade de ter
uma estrutura, alguma ordem e alguns limites.
Olhando
pelo lado negativo, você vai passar a se preocupar não mais com sua fome e sua
sede, mas com seus medos e ansiedades. Esse grupo de necessidades se manifesta
no desejo de ter um lar seguro, um emprego, um plano de saúde, um plano de
aposentadoria, e assim por diante.
3.
As necessidades de amor e pertencimento. Quando se consegue suprir, de modo
geral, as necessidades fisiológicas e de segurança, surge um terceiro nível.
Você começa a sentir necessidade de ter amigos, um namorado ou namorada,
filhos, bons relacionamentos em geral, e mesmo um senso de comunidade. Olhando
pelo lado negativo, você se torna gradualmente mais sensível à solidão e às
ansiedades sociais.
No
nosso dia-a-dia, expressamos essas necessidades em nossos desejos de casar, ter
uma família, ser parte de uma comunidade, membro de uma religião, torcedor de
um time, etc. Isso também é parte do que procuramos quando escolhemos uma
profissão.
4.
As necessidades de estima. Em seguida, começamos a desejar um pouco de autoestima.
Maslow percebeu duas versões das necessidades de estima: uma inferior e uma
superior. A inferior é o desejo de ter o respeito dos outros, a necessidade de
status, fama, glória, reconhecimento, atenção, reputação, apreciação, dignidade
e mesmo dominância. A versão superior envolve a necessidade de autorrespeito, incluindo
sentimentos como confiança, competência, capacidade de realização, mestria,
independência e liberdade. Note que essa é uma forma "superior"
porque, diferente do respeito que os outros têm por você, uma vez que você
tenha autorrespeito, este é muito mais difícil de perder. A falta de satisfação
dessas necessidades são o que geram a baixa autoestima e os complexos de inferioridade.
Maslow percebeu que Adler
tinha
encontrado algo importante quando propôs que essas eram as raízes de muitos,
senão da maioria, de nossos problemas psicológicos. Os quatro níveis anteriores
são chamados D-Needs (Deficit Needs, necessidades geradas pela falta). Isso
significa que, se você não tem o que precisa – ou seja, se você tem um déficit
– então você sente a necessidade.
Maslow
também fala desses níveis inferiores em termos de homeostase. Homeostase é o
princípio pelo qual a temperatura do seu organismo é controlada, buscando
sempre o ponto de equilíbrio. Quando o tempo está muito quente, a transpiração
faz com que seu corpo esfrie. Quando o tempo está frio, o metabolismo se
acelera para aquecer o corpo. Do mesmo modo, quando seu corpo precisa de alguma
substância, surge um desejo por algum alimento que contenha aquela substância.
Quando você tiver essa substância em quantidade suficiente no corpo, aquela
fome específica cessará. O ponto de equilíbrio foi atingido, pelo menos por enquanto.
Maslow simplesmente estendeu o princípio da homeostase para as necessidades de
segurança, pertencimento e estima. Maslow vê esses quatro primeiros níveis como
necessidades de sobrevivência. Até mesmo amor e estima são necessários à
manutenção da saúde. Ele diz que todos nós temos essas necessidades implantadas
geneticamente, como se fossem instintivas. De fato, ele usa o termo "necessidades
instintóides" (instintóide significa "como se fosse um instinto").
Em termos de desenvolvimento geral, nós percorremos esses níveis um pouco como
se fossem estágios. Quando somos recém-nascidos, nosso foco está no
fisiológico. Mas logo começamos a reconhecer nossa necessidade
de
segurança. Logo depois disso, o bebê se esforça por conseguir atenção e
afeição. Um pouco mais tarde, procuramos autoestima. Veja só, isso tudo nos
primeiros anos de vida! Em situações de estresse, ou quando nossa sobrevivência
é ameaçada, pode acontecer de "regredirmos" a um nível inferior de
necessidades. Quando sua maravilhosa carreira profissional vai por água abaixo,
pode ser que você comece a procurar um pouco de atenção. Se sua família vai embora
de repente, vai parecer que amor é tudo que você sempre precisou na vida. Se
você vai à falência depois de uma vida longa e feliz, de repente você não
consegue pensar em nada além de dinheiro. Essas coisas podem acontecer também
além do nível individual, no nível social. Quando uma sociedade se desorganiza,
as pessoas começam a desejar um líder forte que conserte as coisas. Se o país
entrar em guerra e bombas começarem a cair, a principal preocupação das pessoas
passará a ser a segurança. Se os alimentos pararem de chegar aos mercados, as
necessidades se tornarão ainda mais básicas, chegando ao nível fisiológico.
Maslow
sugeria que se perguntasse às pessoas sobre sua "filosofia do futuro"
– ou seja, como seria a vida ideal ou o mundo ideal para elas. Pelas respostas,
pode-se obter informações importantes sobre quais necessidades elas tinham ou
não suprido. Se você teve problemas significativos ao longo do desenvolvimento
– um período de muita insegurança ou fome quando criança, ou perda de um membro
da família devido a morte ou divórcio, ou ainda negligência ou abuso – pode ser
que você se "fixe" naquele grupo de necessidades pelo resto de sua
vida. Esta é a compreensão de Maslow sobre a neurose. Imagine que você passou
por uma situação de guerra quando criança. Agora você pode ter tudo que
precisa, mas ainda poderá estar obcecado por guardar dinheiro ou ter um estoque
de comida. Ou talvez seus pais se divorciaram quando você era jovem. Agora você
tem uma maravilhosa esposa, mas tem um ciúme doentio e um medo de que ela o
deixe porque você não é bom o suficiente para ela.
A Auto Realização e a
Motivação
Os
quatro níveis apresentados são os D-Needs (Deficit Needs). Ou seja, se você tem
falta em algum desses níveis, você sente a necessidade, e procura supri-la. Mas
se você tiver tudo que precisa, o que você sente? Nada?! É isso mesmo! Ou seja,
essas necessidades deixam de ser motivadoras. É estranho pensar dessa forma,
mas se você supriu todas as necessidades fisiológicas, de segurança, de amor e
de estima, então você não sente mais falta de nada! Qual então a motivação para
continuar se desenvolvendo?
É
por isso que o último nível é um pouco diferente. Maslow usou uma variedade de
termos para se referir a este nível. Ele o chamou de B-Needs (Being Needs, ou
Necessidades de Ser), ou ainda "motivação para o crescimento", ou
ainda "auto realização". As pessoas que atingem esse nível foram
chamadas por Maslow de "auto realizadoras". As necessidades desse
nível não se referem à busca de equilíbrio ou homeostase. Uma vez que essas
necessidades são acionadas, elas continuam a ser sentidas indefinidamente, e
não há como atendê-las plenamente. É como se elas se tornassem mais fortes
quanto mais você tenta alimentá-las. Elas se referem ao contínuo desejo de
desenvolver potencialidades, de "ser tudo que você pode ser". Elas o
impelem a se tornar o mais completo "você" que só você pode ser. Daí
o termo Auto Realização.
As pessoas Auto Realizadoras
Vamos
pensar um pouco na teoria até este ponto. Se você quer ser realmente uma pessoa
auto realizadora, você precisa suprir suas necessidades inferiores, pelo menos
até certo nível. Isso faz sentido: Se você tem fome, você vai se virar para
conseguir comida; se você não se sente seguro, estará constantemente em alerta;
se você está isolado e sem amor, você vai tentar satisfazer essa necessidade;
se você tem uma baixa auto estima, vai se tornar defensivo ou tentar compensar
de alguma forma. Ou seja, quando suas necessidades inferiores não são satisfeitas,
você não consegue se dedicar totalmente ao desenvolvimento de seus potenciais.
Não
é surpresa, portanto, com o mundo difícil em que vivemos hoje, que apenas uma
pequena porcentagem da população mundial seja, verdadeira e predominantemente,
auto realizadora. Maslow em certo ponto sugeriu que apenas 2% da humanidade são
pessoas auto realizadoras. Surge então a questão: o que exatamente Maslow chama
de auto realização? Para responder a isso, precisamos dar uma olhada nas pessoas
que ele chamava de auto realizadoras. Felizmente, Maslow fez isso para nós,
usando um método qualitativo denominado análise biográfica.
Pra
começar, ele selecionou um grupo de pessoas. Algumas eram figuras históricas,
outras eram pessoas que ele conhecia. As pessoas escolhidas eram aquelas que
Maslow sentia que se encaixavam no padrão de auto realização. Nesse grupo
estavam Abraham Lincoln, Thomas Jefferson, Albert Einstein, Eleanor Roosevelt,
Jane Adams, William James, Albert Schweitzer, Benedict Spinoza, Aldous Huxley,
e mais 12 pessoas cujos nomes foram mantidos em segredo e que estavam vivas na época
em que Maslow conduziu a pesquisa. Ele então estudou suas biografias e
escritos, e os atos e palavras daquelas que ele conhecia pessoalmente. A partir
dessas fontes, Maslow criou uma lista de qualidades que pareciam
características dessas pessoas, em oposição à grande maioria de pobres mortais
como nós. Essas pessoas eram "centradas na realidade" (reality-centered),
o que significa que elas conseguiam distinguir o que é falso e enganoso do que
é real e genuíno. Elas eram "centradas em problemas" (problem-centered),
o que quer dizer que elas tratavam as dificuldades da vida como problemas que
precisavam de soluções, não como frustrações pessoais com as quais devessem se
irritar e se conformar. Elas tinham uma percepção diferente de meios e fins.
Elas sentiam que os fins não necessariamente justificavam os meios, mas que os
meios poderiam ser fins em si mesmos e que os meios – a jornada – eram, com muita
frequência, mais importantes que os fins. Os auto realizadores também têm um
modo diferente de se relacionar com os outros. Primeiramente, eles apreciam a
solidão e se sentem confortáveis em estar sozinhos. E eles apreciam relações
pessoais profundas com alguns poucos amigos próximos e membros da família, mais
do que relações superficiais com muitas pessoas. Eles apreciam a autonomia, uma
relativa independência das necessidades físicas e sociais. E eles resistem à
aculturação, ou seja, não são suscetíveis à pressão social de serem "bem
ajustados" ou de se adequarem ao padrão – eles são, na verdade,
inconformados, no melhor dos sentidos.
Eles
têm um senso de humor não hostil – preferem fazer piada de si próprios, ou da
condição humana, e nunca fazem humor às custas de alguém. Eles têm uma
qualidade que Maslow chamou de aceitação de si mesmo e dos outros, que
significa que eles são mais propensos a aceitar você como você é do que tentar
mudá-lo para o modo como eles acham que você deveria ser. Essa mesmo aceitação
aplica-se às atitudes deles em relação a si mesmos: se alguma característica
pessoal não é prejudicial, eles a aceitam, até mesmo apreciando-a como uma peculiaridade
pessoal. Por outro lado, eles são fortemente motivados a mudar características
negativas de si próprios que podem ser mudadas. Paralelamente a essa aceitação,
possuem espontaneidade e simplicidade: eles preferem ser eles mesmos a serem
pretensiosos ou artificiais. Além disso, eles tinham um senso de humildade e
respeito para com os outros – algo que Maslow também chamou de "valores
democráticos" – significando que eles eram abertos à diversidade dos
indivíduos e à diversidade étnica, considerando-as inclusive um tesouro da humanidade.
Eles tinham uma qualidade que Maslow chamou "human kinship", termo
que denota um sentimento de fraternidade para com a raça humana. Significa
interesse social, compaixão, humanidade. Essa qualidade era acompanhada de um
forte senso ético, que tinha uma conotação espiritual, mas raramente ligado a
religiões convencionais. E essas pessoas tinham uma habilidade de ver as
coisas, até mesmo as coisas comuns, com admiração. Em paralelo a isso há a
capacidade de serem criativas, inventivas e originais. E finalmente, essas pessoas
tendiam a ter mais experiências culminantes (peak experiences) do que as
pessoas comuns. Uma experiência culminante é um momento em que você é tirado de
si mesmo, que faz você se sentir minúsculo, ou muito grande, em certa medida sentir-se
um com a vida, ou com a natureza, ou com Deus. Dá a sensação de ser parte do
infinito e do eterno. Essas experiências tendem a deixar marcas profundas na
vida da pessoa, mudá-la para melhor, e muitas pessoas procuram essa experiência
ativamente. São também chamadas de experiências místicas, e são conhecidas em
muitas tradições religiosas e filosóficas.
Maslow
obviamente não declara que os auto realizadores são perfeitos. Há muitas falhas
ou imperfeições que ele descobriu ao longo de suas pesquisas. Em primeiro
lugar, essas pessoas frequentemente sofrem de considerável ansiedade e culpa –
culpa e ansiedade realistas, e não as versões neuróticas. Alguns deles estavam
sempre perdidos em pensamentos ou eram exageradamente bondosos. E finalmente,
alguns deles tinham momentos inesperados de crueldade, frieza e perda de humor.
Há duas outras observações sobre os auto atualizadores: a primeira é que seus
valores eram "naturais" e pareciam fluir sem esforço de suas personalidades.
Em segundo lugar, eles pareciam transcender muitas das dicotomias que outros
aceitavam como inquestionáveis, como por exemplo as diferenças entre espiritual
e físico, ou entre egoísmo e o altruísmo, ou entre o masculino e o feminino.
Metanecessidades e Metapatologias
Outro
modo como Maslow abordou o problema de definir o que é a auto realização foi
falando sobre as necessidades especiais, também chamadas de metanecessidades
(B-needs), que direcionam a vida dos auto realizadores. Eis o que eles precisam
em suas vidas para serem felizes:
Desejados
e Indesejados
Verdade
e Desonestidade
Beleza
e Feiura ou vulgaridade
Unidade,
completude, transcendência de opostos e Arbitrariedade ou escolhas forçadas
Vitalidade
e Morte ou mecanização da vida
Singularidade
e Uniformidade
Perfeição
e necessidade Descuido, inconsistência ou acidente
Justiça
e ordem Injustiça e ausência de leis
Simplicidade
e Complexidade desnecessária
Riqueza
e Empobrecimento ambiental
Ausência
de esforço e Esforço excessivo
Auto
suficiência e Dependência
Sentido
e Ausência de sentido
À
primeira vista, pode parecer que todo mundo obviamente precisa disso. Mas
pense: se você vive em dificuldades econômicas ou em meio a uma guerra, se você
vive numa favela, você se preocupa mais com esses valores, ou em como conseguir
comida ou um teto para passar a noite?
De
fato, Maslow acredita que muito do que está errado no mundo é devido ao fato de
muito poucas pessoas estarem interessadas nesses valores – não porque sejam más
pessoas, mas porque elas nem sequer conseguiram atender suas necessidades
básicas.
Quando
o auto realizador não consegue satisfazer essas necessidades, ele desenvolve
metapatologias – uma lista de problemas tão grande quanto a lista de
metanecessidades! Vamos resumir dizendo que, quando forçado a viver sem esses
valores, o auto realizador desenvolve depressão, falta de esperança, desgosto,
alienação e um certo grau de cinismo.
Maslow
esperava que seus esforços em descrever as pessoas auto realizadoras
eventualmente levassem a uma "tabela periódica" dos tipos de
qualidades, problemas, patologias e soluções características dos mais altos
níveis do potencial humano. Com o tempo, ele dedicou atenção crescente não à
sua própria teoria, mas à Psicologia Humanista e ao movimento dos potenciais
humanos.
O
modelo de hierarquia de necessidades foi desenvolvido entre 1943 e 1954, e sua
primeira publicação extensiva ocorreu em 1954, no livro Motivação e
Personalidade. Nessa época, o modelo de hierarquia de necessidades era composto
de cinco níveis, esses que apresentamos aqui. Mais tarde, em seu livro
Introdução à Psicologia do Ser (1962), que acabou por se tornar o mais popular,
Maslow já apresentava uma noção mais ampliada das necessidades humanas e já
incorporava elementos do que seriam a semente do pensamento transpessoal em Maslow,
em especial a noção de transcendência. Estudiosos da obra de Maslow
posteriormente refizeram a clássica pirâmide, que passou então a ter oito
camadas.
No
fim de sua vida, Maslow inaugurou o que ele chamou de Quarta Força em
psicologia. O behaviorismo era a primeira força; A psicanálise freudiana e
demais "psicologias profundas" constituíam a segunda; sua própria
Psicologia Humanista, incluindo os existencialistas europeus era a terceira
força. A Quarta Força é representada pela Psicologia Transpessoal que, buscando
inspiração nas filosofias orientais, pesquisa assuntos como meditação, níveis
superiores de consciência, e mesmo fenômenos parapsicológicos. Talvez o
transpersonalista mais conhecido atualmente seja Ken Wilber, autor de livros como
O Projeto Atman e Uma Breve História de Tudo.
Maslow
depositava uma esperança otimista nessa nova corrente da psicologia. Vejamos
suas próprias palavras, no Prefácio à segunda edição de "Introdução à
Psicologia do Ser":
Considero
a Psicologia Humanista, ou Terceira Força em Psicologia, apenas transitória,
uma preparação para uma Quarta Psicologia ainda "mais elevada",
transpessoal, transumana, centrada mais no cosmo do que nas necessidades e
interesses humanos, indo além do humanismo, da identidade, da individuação e
que já descreve o que somos. [...] Esses novos avanços podem muito bem oferecer
uma satisfação tangível, usável e efetiva do "idealismo frustrado" de
muita gente entregue a um profundo desespero, especialmente os jovens. Essas
Psicologias comportam a promessa de desenvolvimento de uma filosofia de vida,
de um substituto da religião, de um sistema de valores e de um programa de vida
cuja falta essas pessoas estão sentindo. Sem o transcendente e o transpessoal ficamos
doentes, violentos e niilistas, ou então vazios de esperança e apáticos.
Necessitamos de algo "maior do que somos", que seja respeitado por
nós próprios e a que nos entreguemos num novo sentido, naturalista, empírico,
não eclesiástico [...]
Maslow
não chegou a ver fundada a Associação de Psicologia Transpessoal (Association
for Transpersonal Psychology), o que só ocorreu em 1972, dois anos após sua
morte.
Principais
influenciadores:
Alfred
Adler (1970-1937), médico e psicólogo austríaco
Erich
Fromm (1900-1980), psicanalista alemão
Harry
Harlow (1905-1981), psicólogo americano
Kurt
Goldstein (1878-1965), psiquiatra alemão
Max
Wertheimer (1880-1943), psicólogo tcheco
Ruth
Benedict (1887-1948), antropóloga americana
Linha do Tempo:
1908
- No dia 1 de abril, nasce Abraham Harold Maslow, no Brooklyn, Nova Iorque
(EUA).
1928
- Casa-se, contra a vontade de seus pais, com Bertha Goodman, sua prima em
primeiro grau.
1930
- Forma-se em Psicologia, pela Universidade de Wisconsin.
1931
- Termina seu mestrado em Psicologia, na Universidade de Wisconsin.
1934
- Termina seu doutorado em Psicologia, também pela Universidade de Wisconsin.
1937-1951
- Leciona no Brooklyn College, em Nova Iorque.
1943
- Publica o artigo "A Theory of Motivation" (Uma teoria sobre a motivação),
que acabaria se tornando famoso por introduzir a primeira noção da Hierarquia
de Necessidades.
1951
- Torna-se chefe do departamento de Psicologia da Universidade de Brandeis.
1954
- Publica o livro "Motivação e Personalidade" (Motivation and
Personality).
1961
- Maslow ajuda Anthony Sutich a criar a Revista de Psicologia Humanista.
1962
- Escreve o livro "Introdução à Psicologia do Ser" (Towards a Psychology
of Being).
1962
- Maslow ajuda Anthony Sutich a fundar a Associação de Psicologia Humanista (Association
for Humanistic Psychology).
1968
- Maslow é eleito presidente da Associação de Psicologia Americana.
1970
- Em 8 de junho, Maslow morre, aos 62 anos, de ataque cardíaco.
Livros de Abraham
Maslow:
(o
ano indicado refere-se à primeira edição da obra)
Motivation and
Personality. Harper Row, 1954.
Toward a Psychology
of Being. (Introdução
à Psicologia do Ser). Vanb Nostrand, 1962.
Religions, Values and
Peak-experiences. Ohio State University, 1964.
The Psychology of
Science: A Reconnaissance. Harper Row, 1966.
The Farther Reaches
of Human Nature. Viking Press, 1971.
Future Visions: The
Unpublished Papers of Abraham Maslow. Sage Publications, 1996.
Maslow on Management.
(Maslow no Gerenciamento). Wiley, 1998.
The Maslow Business
Reader. (O
Diário de Negócios de Maslow). Wiley, 2000.
Referências
Bibliográficas
A
SCIENCE ODISSEY: Peoples and Discoveries: Abraham Maslow. Disponível
em:
. Acesso
em:
4 abr. 2008.
BOEREE,
C. G. Abraham Maslow. Disponível em:
BUTLER-BOWDON, Tom.
50 Psychology Classics: Who We Are, How We Think,
What We Do; Insight
and Inspiration from 50 Key Books. London:
Nicholas Brealey
Publishing, 2007.
HOFFMAN, Edward. The
right to be a human: a biography of Abraham
Maslow. McGraw-Hill,
1999.
HUITT, William G.
Maslow's Hierarchy of Needs. Educational Psychology
Interactive,
Valdosta State University, Valdosta, GA, 2004. Disponível
em:
. Acesso
em:
23 jun. 2008.
MASLOW,
A. H. Introdução à Psicologia do Ser. 2.ed. Rio de Janeiro:
Eldorado,
s/d.
Personalidade Criminosa
Cogita-se a existência de determinada
personalidade inclinada significativamente para o crime.
|
|
A criminalidade atual tem constatado violações cada vez mais peculiares
da lei, da moral e da ética, tem se surpreendido pela produção de delitos em
faixas etárias cada vez menores, pela atitude criminosa cada vez mais presente
em pessoas "normais", do ponto de vista sociocultural, por delitos
motivados cada vez mais por questões de difícil compreensão. Isso tudo exige
novas reflexões sobre as relações entre a psicopatologia e o ato delituoso.
Cogitar sobre a existência de uma personalidade propensa ao crime e ao
delito sempre foi uma preocupação de muitos autores da sociologia, psiquiatria
e antropologia. Alguns identificam nessas pessoas naturalmente más, portadores
de Transtorno Antissocial da Personalidade, ou Sociopatas, ou Psicopatas e
coisas assim. Vamos refletir sobre algumas questões dessa natureza.
Será
o criminoso responsável pelos seus atos ou vítima de um estado doentio?
A sociedade em geral e, em particular, a justiça penal carece de noções mais precisas corroborando ou contestando da forma mais clara possível, a ideia de Traços de Personalidade ou de uma Personalidade Criminosa determinante de comportamentos delinquentes. Essa também é a grande dúvida da psiquiatria.
A sociedade em geral e, em particular, a justiça penal carece de noções mais precisas corroborando ou contestando da forma mais clara possível, a ideia de Traços de Personalidade ou de uma Personalidade Criminosa determinante de comportamentos delinquentes. Essa também é a grande dúvida da psiquiatria.
Especular sobre o grau de noção ou de juízo crítico que o criminoso tem
de seu ato, e até que ponto ele seria senhor absoluto de suas ações ou servo
submisso de sua natureza biológica, social ou vivencial, sempre foi preocupação
da sociologia, antropologia e psiquiatria. Isso se aplica aos inúmeros casos de
assassinos seriais, estupradores contumazes, gangues de delinquentes, traficantes,
estelionatários, etc.
Como veremos nessa revisão, dois pontos se destacam na literatura
mundial; primeiro, é que parece aceito, unanimemente, a existência de
determinada personalidade marcantemente criminosa ou, ao menos, inclinada
significativamente para o crime. Em segundo, que a diferença principal entre as
várias tendências doutrinárias diz respeito à flexibilidade ou inflexibilidade
dessa personalidade criminosa, atribuindo ora uma predominância de fatores
genéticos, ora de fatores emocionais e afetivos e, ora ainda, fatores sociais e
vivenciais. E essa última questão estará diretamente relacionada ao arbítrio,
juízo e punibilidade do infrator.
A
ocasião faz o ladrão ou existe o Livre Arbítrio?
Monomania Homicida, um termo curioso, foi proposto por Esquirol
em 1838 para designar certas formas de loucura, cujo único sintoma evidente
seria uma desordem ética e moral, propensa à prática de crimes. Talvez se
tratasse de uma exigência mais social que médica, numa tentativa da sociedade
segregar as duas figuras mais temidas do desvio da conduta humana; o louco
alienado e o criminoso cruel. Esta posição nosográfica foi reforçada por
Prichard, alguns anos depois de Esquirol, com seus trabalhos sobre uma tal Loucura
Moral.
Hoje, séculos e nomenclaturas depois, existem na CID.10 critérios de
diagnóstico para a Personalidade Dissocial, caracterizada por um
desprezo das obrigações sociais, falta de empatia para com os outros e por um
desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais.
Neste tipo de personalidade há uma baixa tolerância à frustração e baixo
limiar de descarga da agressividade, inclusive da violência, existe também uma
tendência a culpar os outros ou a fornecer racionalizações duvidosas para
explicar um comportamento de conflito com a sociedade. Seriam sinônimos dessa Personalidade
Dissocial:
Personalidade Amoral,
Personalidade Anti-social,
Personalidade Associal,
Personalidade Psicopática e a
Personalidade Sociopática.
No DSM.IV, por sua vez, a característica essencial do transtorno da Personalidade
Antissocial seria um padrão de desrespeito e violação dos direitos
dos outros, padrão este também conhecido como psicopatia, sociopatia ou
transtorno da personalidade dissociai. O engodo e a manipulação maquiavélica
das outras pessoas são aspectos centrais neste transtorno da Personalidade, no
qual ocorre também violação de normas ou regras sociais importantes. Os
comportamentos criminosos ou delinquências características desse transtorno de
personalidade englobam a agressão a pessoas e animais, destruição de
propriedade, defraudação ou furto e séria violação de regras.
As pessoas com transtorno da Personalidade Antissocial não
se conformam às normas legais, desrespeitam os direitos ou sentimentos alheios,
enganam ou manipulam os outros a fim de obter vantagens pessoais, mentem
repetidamente, ludibriam e fingem. Esses indivíduos costumam ainda ser
irritáveis ou agressivos.
A dúvida que costuma acometer a maioria dos psiquiatras diz respeito à
existência ou não de um real componente psicopatológico atrelado a Sociopatia.
Michel Foucault, por exemplo, contestava essa entidade estranha e paradoxal
inventada pela psiquiatria do Século XIX, que era a Monomania Homicida
ou a Loucura Moral, e que caracterizava crimes que não eram senão uma
forma de loucura ou, mais grave ainda, uma loucura que não se revela senão
através do crime.
A discussão que sempre existiu sobre a conduta humana se dá entre dois
argumentos causais: o Livre Arbítrio da pessoa, o qual implica na consequência
e eventual punibilidade dos atos de todas as pessoas e, por outro lado, na Constituição
Biológica, como uma fatalidade orgânica que empurra a pessoa a agir dessa
ou daquela forma (maniqueistamente).
O reconhecimento da existência de uma personalidade em estado perigoso
(periculosidade), fez com que a sociedade não se preocupasse mais, e
exclusivamente, com a gravidade do ato criminoso mas, sobretudo, com a incômoda
e problemática natureza do criminoso. A noção de Periculosidade, então, nasceu
da conceituação de alguma patologia incrustada na personalidade do criminoso,
tal como a antiga Monomania Homicida, atenuando assim a responsabilidade
plena dos atos cometidos e, ao mesmo tempo, prevenindo a sociedade da presença
incômoda desses mutilados éticos através da segregação manicomial.
Apesar de hoje em dia não ser mais aceita a noção simplória da Monomania
Homicida, antes de ser abandonada essa ideia estimulou a esdrúxula Teoria
da Degenerescência, desenvolvida por Morel em 1857 e embasada
por outros autores de grande expressão. Na realidade, foi a partir da Degenerescência
da espécie humana, de Morel, através de seus simpatizantes ou
contestadores, que se desenvolveram as mais variadas teorias biológicas,
psicológicas, sociológicas e antropológicas sobre o crime, criminalidade e
criminoso que hoje conhecemos.
Inicialmente tivemos as conhecidas ideias de Lombroso, através de
seus estudos morfológicos e anatômicos, na tentativa de conhecer mais
profundamente a natureza do ser humano criminoso. Ele pressupunha um conjunto
de estigmas biológicos e anatômicos que caracterizariam o criminoso e
revelariam nele a reminiscência de um nível inferior da escala do
desenvolvimento humano. Era uma espécie de determinismo biológico que marcava
profundamente essas pessoas tidas como sub-humanas.
Nessa época distinguia-se apenas dois tipos de criminosos; o criminoso
ocasional, representado por uma pessoa normal e fortuitamente criminosa
sob influência de diversas circunstâncias e o criminoso nato, de
natureza diferente da do homem normal, instintivo e cuja inclinação para o
crime resultava de uma organização própria de sua biologia. Esse conceito em
nada difere o Louco Moral do atual Sociopata.
Em seguida, Lombroso passou a classificar os criminosos em 5 tipos:
1. O Criminoso Nato, segundo ele
representado pela maioria dos casos era, como o próprio nome indica, portador
de um patrimônio genético causador de sua criminalidade. Ele é seria o
resquício do Homem Selvagem, uma espécie de subtipo humano, enfim, um ser
degenerado.
2. O Criminoso Louco ou Alienado, no qual existia uma perturbação mental associada ao comportamento delinquente, considerado como um Louco Moral ou um Perverso Constitucional. 3. O Criminoso Profissional, que não possui os estigmas biológicos inatos, como os anteriores, mas que se tornava criminoso por forças e pressões do seu meio. Este criminoso começa por um crime ocasional e pode reincidir. 4. O Criminoso Primário, que cometerá um ou outro delito por força de um conjunto de fatores circunstanciais do meio, mas não tenderia para a reincidência. De acordo com Lombroso, estes eram ainda predispostos por hereditariedade para o crime, mas não possuíam uma tendência genética para ele (?). Para Ferri (Peixoto), seriam, ao contrário do ditado que diz "a ocasião faz o ladrão", ladrões já prontos e aguardando a melhor ocasião para roubar. 5. O Criminoso por Paixão, vítima de um humor exaltado, de uma sensibilidade exagerada, "nervoso", explosivo e inconsequente, a quem a contrariedade dos sentimentos leva por vezes a cometer atos criminosos, impulsivos e violentos, como solução para as suas crises emocionais. |
O
que é determinismo criminoso ?
Apesar dos estudos de Lombroso terem se limitado às relações
entre anatomia e crime, entendendo-se este como uma espécie de anomalia
morfológica, sua contribuição foi fundamental para o enriquecimento do conceito
holístico do ser humano. Garofalo, na mesma linha das concepções
genéticas e constitucionais, atribuía maior importância aos aspectos morais e
psicológicos do que aos elementos anatômicos. Ele passou a defender o ponto de
vista, segundo o qual, os criminosos possuiriam uma anomalia moral e psíquica,
uma espécie de lesão ética, responsável pela prática da delinqüência. A
predeterminação da personalidade ao crime caminhou, então, da anatomia
defeituosa à lesão ética. De qualquer forma, não se falava em livre arbítrio do
criminoso.
Foi nesta ocasião que Colajanni, defendendo também a predisposição psíquica do delinqüente, sugeriu à criminologia o conceito de periculosidade; uma perversidade constitucional e ativa no delinqüente, bem como uma certa quantidade de maldades que se podia esperar dele, quase automaticamente. Nesta mesma época, partindo ainda das concepções biológicas de Lombroso, Enrico Ferri, elaborou um dos primeiros modelos integrativo do direito com a psiquiatria e com a sociologia, valorizando como um importante fator na determinação do crime, além da predisposição psíquica, também o meio social onde se inseria o criminoso. Ainda assim não se falava em juízo crítico e arbítrio do contraventor; ora era a biologia a responsável pelo delito, ora a tal Lesão Ética, ora a psicologia claudicante do criminoso e, finalmente, poderia ser também o meio social propício ao crime.
Se Lombroso despertou uma série de conceitos posteriores baseados
na importância da constituição biológica, não lhe faltaram opositores. Os
autores mais modernos achavam demasiadamente retrógrada a ideia do determinismo
biológico de Lombroso, e alguns preferiam o determinismo social.
Embora essa nova migração das influências criminais, do biológico para o
social, dava a impressão de chique avanço intelectual, continuava sendo
determinista do mesmo jeito. O criminoso continuava objeto de forças
emancipadas de seu arbítrio e decisão. Este determinismo social, concebido por
autores da moda, não era menos radical que o determinismo biológico de Lombroso.
Alguns até defendiam que "cada sociedade tem os criminosos que merece",
e que os fatores sociais e geográficos, por si só, já seriam suficientes para
explicar a criminalidade. Dessa forma, a intenção, motivo ou personalidade do delinquente,
ficavam em segundo plano.
Apesar de todas estas movimentações doutrinárias, a figura do Criminoso Nato e Constitucional dominou os estudos de criminologia no séc. XIX e início do séc. XX, progressivamente substituindo a predominância da constituição biológica em favor de uma natureza psicológica, moral e até social. Com base nestas várias teorias, considera-se a possibilidade de alguma alteração psíquica relacionada com a criminalidade. Inicialmente tem-se em mente a figura do Perverso Constitucional e, posteriormente, a figura do Sociopata e do Psicopata, atualmente, fala-se na Personalidade Antissocial dos manuais de diagnóstico DSM.IV e CID.10.
Na realidade, ao longo de mais de um século houve apenas um deslocamento
das teorias deterministas; inicialmente falava-se no determinismo biológico,
onde as constituições genéticas e hereditárias eram determinantes absolutas.
Posteriormente foi a vez do determinismo moral, onde o indivíduo podia já
nascer degenerado ou normal. Em seguida, foi a vez do determinismo psicológico,
onde as maneiras da pessoa reagir psicologicamente à vida eram inatas,
absolutas e invariáveis e, finalmente, veio o determinismo social, reconhecendo
circunstâncias sociais que empurravam invariavelmente a pessoa para o crime.
Com tantos determinismos, de qualquer forma o delinquente continuava sempre sendo vítima de alguma circunstância, interna ou externa, a qual eximia a responsabilidade plena por seu ato, como se, por sua constituição, fosse ela biológica, moral ou psicológica, ou ainda pelas adversidades sociais e culturais ou, simplesmente pelo modismo, não lhe restasse outra opção senão o crime.
Com tantos determinismos, de qualquer forma o delinquente continuava sempre sendo vítima de alguma circunstância, interna ou externa, a qual eximia a responsabilidade plena por seu ato, como se, por sua constituição, fosse ela biológica, moral ou psicológica, ou ainda pelas adversidades sociais e culturais ou, simplesmente pelo modismo, não lhe restasse outra opção senão o crime.
Quem
acredita no Livre Arbítrio do criminoso?
Se, do século XIX até atualmente, acreditava-se que elementos ou
fatores, internos ou externos, determinavam inexoravelmente uma espécie de Homem
Criminoso, recentemente surgiu uma nova corrente fenomenológica de De
Greeff. Trata-se de uma tendência que procura compreender as vivências
interiores do delinquente e o processo do ato criminoso, partindo dum
pressuposto de que o delinquente não é um ser diferente, por natureza ou
qualidade, das outras pessoas. Em natureza e qualidade, o hipotético Homem
Criminoso seria igual ao indivíduo dito normal, diferindo deste apenas
em relação a um certo número de características, as quais facilitam nele a execução
do ato criminoso.
Com De Greeff deixamos o constitucional ou degenerado
comprometedor da espécie humana, e passamos a considerar a pessoa com sua
história pessoal, a considerar o conjunto de processos psicológicos, afetivos,
morais, sociais, etc, eventualmente capazes de conduzir à criminalidade. E esse
"certo número de características, as quais facilitam nele a execução do
ato criminoso", parece tratar-se de algo relacionado à escala de
valores, ou seja, um atributo muito mais arbitrário e eletivo das pessoas do
que os determinismos estigmatizantes até então considerados.
As idéias de De Greeff despertaram a necessidade de encarar o delinquente
como qualquer outra pessoa, possuidor de uma história particular e opções
pessoais realizadas em função desta história. Tal posição pode ser considerada
"fenomenológica", e atenuou, sobremaneira, a hipótese de uma
incontrolável predeterminação biológica, psicológica e social para a
criminalidade. Essa fenomenologia valorizava sim a conduta geral da pessoa, seu
caráter, seus motivos, instintos, afetos e antecedentes pessoais. A partir de
agora, há necessidade de se conhecer profundamente o criminoso naquilo que ele
tem de mais específico: sua personalidade específica pessoal e não mais uma
personalidade geral e própria dos Homens Criminosos.
Livrar-se
da ideia de Personalidade Criminosa não é tão simples assim.
Surgiu então o Conceito de Periculosidade. O conceito de periculosidade, tal como refere Debuyst, incluía três elementos: a personalidade criminosa, a situação perigosa e a importância sociocultural do ato cometido. Segundo este autor, através da periculosidade seria possível fazer um diagnóstico dos traços de personalidade e definir adequadas medidas de intervenção. Assim sendo, com o conceito de periculosidade volta à tona a ideia de personalidade criminosa, como dissemos, difícil de se livrar.
Surgiu então o Conceito de Periculosidade. O conceito de periculosidade, tal como refere Debuyst, incluía três elementos: a personalidade criminosa, a situação perigosa e a importância sociocultural do ato cometido. Segundo este autor, através da periculosidade seria possível fazer um diagnóstico dos traços de personalidade e definir adequadas medidas de intervenção. Assim sendo, com o conceito de periculosidade volta à tona a ideia de personalidade criminosa, como dissemos, difícil de se livrar.
O conceito de periculosidade se mantém indissociável do conceito de personalidade (criminosa), e ambos seriam conceitos fundamentais para o desenvolvimento da criminologia clínica. Através desta, acredita-se poder concentrar esforços na procura de índices capazes de identificar características de risco e fatores desencadeantes. Aqui ficam patentes a avaliação da periculosidade do sujeito e a eventual arguição de seu potencial de socialização.
Determinismo à parte, não se consegue esquecer o fato do conceito de personalidade ser, por si próprio, problemático. As principais teorias psicológicas da criminalidade que hoje em dia dominam a investigação nesta área poderão ser agrupadas em duas grandes linhas gerais. Uma delas, centrada na pesquisa das diferenças que caracterizam a dita Personalidade Criminosa, específica do criminoso e determinadora do ato delinquente (Pinatel, Le Blanc), e uma outra linha, a de investigação, mais ligada à análise do vivido do criminoso e de seu percurso na criminalidade, partindo de uma abordagem fenomenológica do autor da ação delituosa (Debuyst).
Pinatel, defende a criminologia clínica como o meio de se estudar os
fatores que conduzem ao ato delinquente e a identificar dos traços psicológicos
subjacentes a este. Defende o ponto de vista segundo o qual, não haveria nos
criminosos em geral, tipos psicopatológicos classificáveis dentro das
categorias psiquiátricas tradicionais mas, no máximo, conjugações de traços de
personalidade, agrupados de uma forma específica. Esses traços é que definiriam
a tal Personalidade Criminosa e, esta sim, seria determinadora do
comportamento delinquente. Poderemos sintetizar essa posição nos seguintes
pontos:
(a) o criminoso é um homem como outro qualquer,
só se diferenciando por uma maior aptidão para ato criminoso;
(b) a personalidade criminosa seria descrita através de traços psicológicos agrupados numa determinada característica; (c) essa característica englobaria os traços de agressividade, egocentrismo, labilidade e indiferença afetiva, sendo estes os elementos responsáveis pelo ato delituoso, enquanto as variáveis, tais como o temperamento, as aptidões físicas, intelectuais e profissionais, as razões aparentes, e as necessidades seriam responsáveis pelas diferentes modalidades desse ato; (d) a personalidade criminosa, considerada na sua globalidade, seria dinâmica em relação aos seus diferentes traços constitutivos e adaptabilidade social. |
Partindo dessa noção de Personalidade Criminosa,
específica de cada delinquente ou do criminoso e composta por um conjunto de
traços em atuação dinâmica, diferentes investigadores chegarão a resultados
diversos e, por vezes, contraditórios. Assim, por exemplo, LeBlanc e Fréchette,
estudando a personalidade delinquente ao longo da infância e adolescência,
concluem pela existência de uma Síndrome da Personalidade Delinquente.
Esta comportaria uma estrutura específica com os seguintes sintomas: inclinação criminosa, antissociabilidade e egocentrismo, cada um deles sofrendo desenvolvimentos diversos ao longo do tempo. De acordo com esses autores, estes traços psicológicos específicos do delinquente seriam responsaveis pela maneira como eles valorizariam o impacto que as circunstâncias sociais lhes causarão.
Esta comportaria uma estrutura específica com os seguintes sintomas: inclinação criminosa, antissociabilidade e egocentrismo, cada um deles sofrendo desenvolvimentos diversos ao longo do tempo. De acordo com esses autores, estes traços psicológicos específicos do delinquente seriam responsaveis pela maneira como eles valorizariam o impacto que as circunstâncias sociais lhes causarão.
Numa perspectiva pouco diferente, Eysenck defende que o
comportamento criminoso é o resultado da interação entre fatores ambientais e
características hereditárias, o que todo mundo já sabe há tempos. Porém, ele
atribui uma importância fundamental a estas últimas, as hereditárias, e
desenvolve uma teoria bio-psicológica da personalidade. De qualquer forma,
também Eysenck acaba defendendo a existência de uma Personalidade
Criminosa, composta por um conjunto variável de traços psicológicos
característicos do delinquente e responsáveis pelos seus atos transgressivos.
Entretanto, Ch. Debuyst, apesar de contestar o conceito da Personalidade
Criminosa, tal como era definido, e apesar de alegar que este conceito
é uma visão ingênua da realidade por ser estática e determinista, não consegue
se desvencilhar da ideia de uma personalidade inclinada à contravenção, como
todos os outros. Ele recomenda analisarmos a delinquência a partir de três
aspectos fundamentais; a posição que o sujeito delinquente ocupa na sociedade,
os processos que resultam de suas múltiplas interações sociais e, finalmente,
as características de sua personalidade.
A diferença é que ele aceita, com mais facilidade, um aspecto dinâmico
da personalidade, consequentemente, acaba considerando que a criminalidade não
é um fenômeno estático e nem obrigatório. Acha que seria ingênuo acreditar que
um conjunto fixo de elementos, sejam esses elementos os traços, estilos ou
qualquer outro conceito determinista, estivesse na base de todo o comportamento
transgressivo indistintamente.
Finalmente, dando um passo além do aspecto dinâmico da personalidade
proposto por Debuyst, tal como um devir não totalmente determinado por
circunstâncias várias, surge F. Digneffe defendendo a ideia de que o
indivíduo é sim responsável, dependendo dele a construção do seu próprio mundo
e projetos. Digneffe dedica-se ao estudo das maneiras como o sujeito faz
a gestão da sua vida, como elabora seus aspectos relativos à ética, aos valores
e ao desenvolvimento moral, acabando por adquirir uma característica pessoal de
acordo com a adoção de seu próprio modelo existencial. A autora se detém,
sobretudo, nos casos onde a delinquência é a forma de gestão de vida escolhida
pelo indivíduo.
Se a Personalidade é responsável pelo crime, quem é responsável pela Personalidade?
A criminalidade moderna, entretanto, particularmente considerando-se crimes curiosos entre escolares, franco-atiradores, ideológicos, religiosos e outros, exige o desenvolvimento de outros modelos criminais. Alguns autores partem da constatação de que não existem diferenças de personalidade entre delinquentes e não delinquentes. A pesquisa atual se orienta cada vez mais para a compreensão dos processos complexos pelos quais uma pessoa se envolve numa conduta delinquente, adquire uma identidade criminosa e adota, finalmente, um modo de vida delinquente (Yochelsom).
Desta forma, não estaríamos diante um conjunto de traços de personalidade determinantes de uma conduta criminosa, mas diante de uma ação delituosa resultante da interação entre determinados contextos e situações do meio, juntamente com um conjunto de processos cognitivos pessoais, afetivos e vivenciais, os quais acabariam por levar a pessoa a interpretar a situação de uma forma particular e a agir (criminosamente) de acordo com o sentido que lhe atribui.
Aqui também se pensa numa determinada Personalidade Criminosa,
entretanto, personalidade esta produzida não apenas pelo arranjo genético mas,
sobretudo, pelo desenvolvimento pessoal. De acordo com novas teorias da
personalidade (Agra, Guidano), seriam sete os sistemas que a constituem:
· neuropsicológico
psico-sensorial
expressivo
afetivo
cognitivo
vivencial
político.
Essa nova tendência reconhece que a personalidade e o ato são
inter-relacionados da seguinte forma: a personalidade é a matriz de produção da
ação e define as condições e modalidades do agir, enquanto o ato seria o
processo de materialização dessa personalidade.
Hoje em dia, alguns autores que pesquisam crimes e delinquências comuns
do cotidiano perpetrados por delinquentes primários e reincidentes, não têm
encontrado entre eles déficits ou psicopatologias relevantes o suficiente para
se associar ao que se entende por Personalidade Criminosa ou
comportamento criminal, verificando-se, pelo contrário, que esses sujeitos não
se distinguem significativamente dos indivíduos ditos normais.
Tem sido simpática a ideia de que os comportamentos transgressivos não resultam da incapacidade para agir de outra forma que não a criminosa, como pretendiam os positivistas, nem de uma determinação biológica para só agir desta forma, como acreditavam os deterministas. Os atos, delituosos ou não, estariam relacionados com processos da personalidade ao nível da construção de significados e de valores da realidade, bem como com as opções de relacionamento da pessoa com essa realidade. Tal conceito implica na existência de uma estrutura da personalidade que determina certos padrões de ação e certos padrões de inter-relação particular do indivíduo com a realidade, fazendo com que ela aja em conformidade com a visão pessoal que tem da realidade.
Atualmente é difícil aceitar-se a existência de uma personalidade tipicamente criminosa, composta por traços imutáveis e pré-definidos. Defende-se sim a existência de diferentes formas de organização e estruturação da personalidade, de diferentes maneiras de integrar os estímulos do meio e os processos psíquicos e de diferentes maneiras de relação com o mundo exterior. Essa estruturação típica e própria da personalidade é que produziria diferentes representações da realidade nas diferentes pessoas e, em função dessa personalidade, as pessoas definirão também suas diferentes formas de agir e de se relacionar com os outros e com o mundo.
Seguindo esse raciocínio, o criminoso, como qualquer pessoa, estabelece
uma representação da realidade, desenvolve uma ordem de valores e significados,
na qual a transgressão adquire um determinado sentido e se torna, em dado
momento da sua história de vida, uma modalidade de vida.
Não se pretende negar aqui, peremptoriamente, as valiosas teorias da
personalidade, notadamente a ideia de uma eventual Personalidade
Criminosa, como advogaram inúmeros autores. Nossa ideia é apenas
demonstrar que a criminalidade pode ser demasiadamente complexa para se supuser
um modelo teórico relativamente simples e fixo como, por exemplo, o dos traços
de personalidade ou da característica biológica criminosa (Kreitler).
Pelas mesmas razões, somos obrigados também a não considerar aceitável o
conceito de periculosidade, tal como tem sido definido, facultando um
prognóstico definido e uma arguição hipotética sobre o devir da pessoa dita
criminosa. Estaríamos, se aceitássemos isso tudo, novamente nos confrontando
com abordagens deterministas da Personalidade Criminosa.
No entanto, a grande questão que se impõe é sabermos: a partir de qual momento, negamos à pessoa a capacidade de ser, ela mesma, produtora de si mesma e determinadora de seus percursos? Ou, de outra forma: quando podemos confinar a pessoa numa análise reducionista que a transforma num objeto de conceitos como o de Personalidade Criminosa, portanto, objeto de estratégias de intervenção terapêutica concordante com esse modelo?
No entanto, a grande questão que se impõe é sabermos: a partir de qual momento, negamos à pessoa a capacidade de ser, ela mesma, produtora de si mesma e determinadora de seus percursos? Ou, de outra forma: quando podemos confinar a pessoa numa análise reducionista que a transforma num objeto de conceitos como o de Personalidade Criminosa, portanto, objeto de estratégias de intervenção terapêutica concordante com esse modelo?
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