MÁRIO SOUTO MAIOR
Cantar é Preciso
Já vai loge o tempo em que as
meninas-moças costumavam ter seu caderno de capa dura onde copiavam
poesias e pensamentos de amor. Noutro, escreviam as avoengas e
tradicionais receitas culinárias. Num terceiro caderno, transcreviam,
sempre usando uma caligrafia caprichada, as letras das modas da época,
quando o rádio dava seus primeiros passos e a televisão ainda nem
pensava existir.
Era no tempo em que as serestas povoavam
as noites de Lua. Um violão afinado e uma voz melodiosa, à janela da
mulher amada, falavam, romanticamente, de amor. Quando o apaixonado não
tinha voz para cantar, convidava um seresteiro de fama para fazer as
suas vezes. E, na calada da noite, nas pequenas cidades do interior e
nas ruas dos subúrbios das capitais, os namorados enviavam à mulher
amada doces mensagens do seu amor, através de valsas dolentes como A
Pequenina Cruz do teu Rosário, Patativa, Rosa e também Porta Aberta e O
Ébrio, sucessos de Vicente Celestino, Francisco Alves, Orlando Silva,
Carlos Galhardo e outros cantores famosos. Quando o rádio e as vitrolas
começaram a aparecer, aumentou, ainda mais, o interesse e o gosto das
mocinhas pelas modas que passaram a ser tantas e tão bonitas que enchiam
cadernos e mais cadernos.
Nos dias em que vivemos, quase ninguém
canta mais como antigamente. Em nossa casa, nunca ouvi nenhum dos meus
sete filhos cantar. O rádio, a televisão e a fita cassete estão
substituindo as pessoas na arte de cantar.
Onde é que estão os cadernos de poesia e
de pensamentos? Por que as mocinhas não escrevem mais as gostosas
receitas culinárias em seus cadernos de capa dura? E os cadernos de
modas, que fim levaram? Onde estão as serestas? Que fim levou o tenor de
banheiro, denominação dada a quem costumava cantar enquanto tomava
banho?
Diz a sabedoria popular que "Quem canta
seus males espanta" , o que não deixa de ser uma verdade porque cantar,
chorar e rir são os melhores remédios para os males da alma. É cantando,
chorando e rindo que as pessoas lavam a alma, descarregam problemas e
motivos outros de tristezas e aborrecimentos.
A violência, o sexo desenfreado, a
ansiedade, a luta pela vida, fazem com que a mente das pessoas fique
sobrecarregada de hiatos psicológicos. O homem cada vez mais está se
divorciando das belezas da natureza. Um pôr de sol, uma criança sem
video-game, os pássaros em liberdade, o azul do céu em pleno verão,
estão esquecidos agora.
É preciso que os seres humanos fiquem
mais humanos e menos materializados. É preciso que contemplem a natureza
para que volte a existir a paz interior que morava no coração de todos
nós. É preciso que os seres humanos deixem de ser escravos do tempo, da
velocidade, da violência, do sexo, coisas que estão mudando o
comportamento humano. É preciso cantar. É preciso amar o próximo. É
preciso ter fé para que os corações voltem a ter melhores dias, sem
enfartes, sem pontes de safena, sem tantas preocupações.
As últimas gerações estão vivendo
momentos difíceis, em conseqüência da crise econômica responsável por
tantos problemas. A mente dos seres humanos está sobrecarregada de
cifrões, de cheques predatados, de cartões de crédito. Os seres humanos
estão se transformando em verdadeiras máquinas, correndo atrás do tempo,
com pesadelos econômicos. Onde está o tempo em que se davam flores às
mulheres? Onde está o tempo em que as pessoas sorriam? A televisão anda
cheia de humoristas que, na maioria das vezes, não conseguem fazer
ninguém rir, porque a mente de todos está sobrecarregada, bloqueada,
escrava do dinheiro.
Vamos cantar, como antigamente. Cantar é preciso.
Um texto do maior folclorista de Pernambuco
Andréa Cristiane